Diário
13 de Janeiro - 1920 - Manhã
Aquele dia seria longo e inesquecível. Chego a tremer de
emoção enquanto escrevo estas linhas, tentando reunir os detalhes mais
importantes. Assim que o nervosismo causado pela brincadeira de Griffith foi
sendo substituído pelo desejo exploratório de um apaixonado, comecei a perceber
a importância de ficar calado e absorver o máximo de informação que aquelas
pessoas poderiam revelar. Eu era um privilegiado convidado, disposto a
conquistar a confiança de meus ídolos. Chaplin falava pouco, parecia ser o mais
tímido, mas em dado momento chamou Griffith para um local banhado pela sombra
de uma árvore. Atento, eu consegui escutar um trecho da conversa, que busco
transcrever de memória:
- Você se lembra daquela correspondência de que havia
lhe falado, sobre o tal Walt Disney? O garoto é persistente. Encaminhei-o
informalmente para Ub Iwerks, sugerindo que ele pode ajudá-lo de alguma forma.
- Chaplin parecia ser uma pessoa muito generosa, ainda que tivesse deixado
claro que seu gesto foi conduzido de forma que o garoto não saberia que foi
influência dele.
- Fez bem, Charlie. O rapaz realmente admira o seu
trabalho e parece bastante determinado. Quantas correspondências ele te enviou?
Umas doze, certo? - Griffith mudou o rumo da conversa para alguns
detalhes técnicos de um acordo empresarial, que pouco entendi. Minha atenção
foi redirecionada bruscamente por um convite de Douglas Fairbanks, que me
chamava para finalmente adentrar sua residência.
***
Walt Disney era fã assumido de Charles Chaplin (além de
Buster Keaton e outros gênios da comédia muda), tendo chegado a competir em
concursos de imitadores do pequeno vagabundo aos doze anos. Já como
profissional, utilizou o trabalho dele como inspiração para suas primeiras
animações. Uma das marcas registradas do personagem Carlitos, exibida ao final
do curta "The Tramp" (1915), acabaria se tornando inspiração para a
reação física do ratinho Mickey, sempre que confrontado por atribulações. O
vagabundo caminhava triste, desolado e de cabeça baixa, porém como se levasse
um choque interior, ele levanta sua cabeça, dando um leve pulo e voltando a se animar.
Em Janeiro de 1920, um jovem e desempregado Disney se encontrou com Ub Iwerks (que
trabalhava em um estúdio de arte no Kansas) e acabaram se tornando amigos
inseparáveis. Formaram uma sociedade no mesmo ano e começaram a trabalhar
juntos como ilustradores (na "Kansas City Slide Newspaper Company").
O mundo seria apresentado em 1928 à co-criação da dupla: Mickey Mouse.
***
Aceitando o cortês pedido do anfitrião, sentei-me em um
confortável sofá. Senti uma leve tontura, consequência da inversão do tempo (leia
a parte 2) que pairava como uma sombra ao meu lado, um anjo da morte. Mary
Pickford sentou-se ao meu lado e tocou levemente em meu braço, direcionando-me
um olhar maroto. Sorri timidamente em resposta e já ia lhe agradecendo, quando
ela interrompeu-me com uma jocosa afirmação:
- Tenho certeza que a noite de hoje será muito fortuita
para seus negócios, senhor empreendedor. Sennett, Roach, Lloyd, Laurel, Keaton,
Gish, até Thomas Edison, todos estarão presentes. Sou ou não sou uma excelente
agente? - Pickford sorria enquanto levava sua cigarrilha à boca. Procurei
manter a calma enquanto buscava fôlego para questioná-la.
- Isso quer dizer que estou na lista de convidados? - ela gargalhou de como minha voz engasgou antes de ser emitida. Aproximando
seus lábios de meu ouvido esquerdo, ela sussurrou:
- Eu sei de tudo. Um senhor misterioso e com aparência
de um moribundo nos visitou hoje aos primeiros raios de sol. A princípio fiquei
assustada, pois Dougie não estava presente, mas o homem só queria entregar uma
carta, pedindo que fosse lida imediatamente. Após receber a carta, vi que ele
correu com dificuldade até sumir do meu campo de visão. Um pouco antes de
acompanhar Dougie e Charlie ao campo de tênis, eu li o conteúdo da carta. - ela interrompeu bruscamente o relato ao sentir a aproximação de Chaplin,
Griffith e Fairbanks, que poucos minutos antes estavam numa animada conversa no
escritório.
Os três pareciam ansiosos com a festa que ocorreria à noite,
pois parecia haver muito mais que diversão e camaradagem em jogo. Percebi que
eu estava testemunhando aquele quarteto em plena ação empresarial pela "United
Artists". Assumo que não entendi muito do que escutei ao longo de toda
aquela manhã, mas um momento me marcou profundamente. Chaplin estava se preparando
para tirar uma foto do casal, que se divertia do lado de fora, sentados na
estilizada "praia" próxima à grande piscina e atirando areia no
fotógrafo. Griffith me chamou para ver a bagunça que os três estavam fazendo,
como crianças engravatadas em um parque de diversões. No exato momento em que
Chaplin avisou que a foto seria tirada, Mary percebeu minha presença à sua
esquerda, em seu campo de visão. Nunca esquecerei aquele olhar, que se manteve
em minha direção por mais alguns segundos, fazendo-me ruborizar. Anexo nesta
página do diário a foto tirada, daquele milésimo de segundo mágico, onde pude
adentrar naquele mundo de sonhos e me fazer eterno...
Continua...
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