domingo, 18 de agosto de 2013

O Salário do Medo


O Salário do Medo (La Salaire de La Peur – 1953)
A primeira cena mostra algumas baratas procurando escapar, porém atadas umas às outras por um barbante (viria a ser inspiração para a abertura de “Meu Ódio Será sua Herança” de Sam Peckinpah). Assim também vivem os quatro protagonistas (imigrantes de diferentes locais, simbolizando um microcosmo), presos a uma pequena cidade na América do Sul, esquecida pela civilização. Sem expectativa de emprego, vivem como se aguardassem apenas a morte, já que não possuem maneiras de conseguirem o dinheiro necessário para saírem. A oportunidade aparece como um “presente de grego”, pois generoso pagamento será concedido àqueles que aceitarem embarcar em uma missão suicida, carregando nitroglicerina em dois caminhões, tendo que atravessar um caminho cheio de obstáculos.  

Impressiona constatar como a obra ainda soa atual (um dos personagens chega a citar: “onde existir petróleo, sempre existirão americanos”) em sua crítica e ritmo. Impossível manter-se calmo enquanto o diretor estrutura o suspense, deixando o público extasiado durante toda sua duração. Diferente dos filmes de Hitchcock, o suspense não somente é utilizado como ferramenta de deslumbramento (realizado com a mesma perícia), mas emoldura profundos questionamentos sobre a natureza humana, que ressoam semanas após a sessão. Henri Georges-Clouzot dedica os primeiros quarenta minutos a nos fazer importar pelos personagens (seção que não envelheceu tão bem), mas quando se inicia a jornada, somos conduzidos pelas mãos de um mestre manipulador, que trabalha o suspense nos detalhes. Uma cena específica demonstra a genialidade do diretor: Mario (Yves Montand) é um jovem aventureiro que percebe a chegada do veterano Jo (Charles Vanel) na cidade, com aparência refinada e uma atitude corajosa, passando a admirá-lo. Os dois conversam no bar, enquanto Luigi (Folco Lulli), velho conhecido do aventureiro, entra em atrito com o bem trajado forasteiro. Mario não toma o partido de seu velho conhecido, quedando admirado pela coragem de Jo, que não somente enfrenta Luigi, como também lhe oferece um revólver pedindo-o que atire nele. O homem não consegue atirar e vira as costas, afirmando não ser um assassino. Somente mais tarde, Clouzot nos mostra que a “coragem” de Jo era apenas disfarce. Ele sabia desde o princípio que aquele homem não lhe tiraria a vida, ele não lhe oferecia risco algum. Porém quando confrontado por algum risco tangível (como a jornada no caminhão), ele perde completamente o equilíbrio emocional, demonstrando ser extremamente covarde. Outros exemplos, eu deixarei para o leitor descobrir.

Curioso perceber que o homem por trás desta majestosa crítica à ganância, tenha padecido exatamente deste mal. Em 1964, Clouzot pretendia revolucionar o cinema tal qual Fellini havia feito em “8 ½” no ano anterior, contando uma fábula sobre amor, ciúmes e possessão. Seu perfeccionismo doentio o levou a perder o comando de suas intenções, irritando os atores e fazendo com que o seu projeto nunca visse a luz do dia. Vários testes de cena (alguns bastante experimentais) entre Romy Schneider (a eterna “Sissi”) e Serge Reggiani foram apresentados ao público no documentário “O Inferno de Clouzot”. O ótimo registro mostra a busca incessante pela perfeição técnica de seu criador. O desgaste físico e mental dos envolvidos retrata o quadro angustiante de um profissional que enlouquece no meio de uma produção milionária, sem saber que rumo dar a sua genialidade. Uma importante omissão é feita, quando não é citado o período em que o diretor esteve em sanatórios, tratando de um problema mental na década de trinta, o que ajudaria no entendimento de sua personalidade criativa instável.

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