O Salário do Medo (La Salaire de La Peur – 1953)
A primeira cena mostra algumas baratas procurando escapar,
porém atadas umas às outras por um barbante (viria a ser inspiração para a
abertura de “Meu Ódio Será sua Herança” de Sam Peckinpah). Assim também vivem
os quatro protagonistas (imigrantes de diferentes locais, simbolizando um
microcosmo), presos a uma pequena cidade na América do Sul, esquecida pela
civilização. Sem expectativa de emprego, vivem como se aguardassem apenas a
morte, já que não possuem maneiras de conseguirem o dinheiro necessário para
saírem. A oportunidade aparece como um “presente de grego”, pois generoso
pagamento será concedido àqueles que aceitarem embarcar em uma missão suicida,
carregando nitroglicerina em dois caminhões, tendo que atravessar um caminho
cheio de obstáculos.
Impressiona constatar como a obra ainda soa atual (um dos
personagens chega a citar: “onde existir petróleo, sempre existirão
americanos”) em sua crítica e ritmo. Impossível manter-se calmo enquanto o
diretor estrutura o suspense, deixando o público extasiado durante toda sua
duração. Diferente dos filmes de Hitchcock, o suspense não somente é utilizado
como ferramenta de deslumbramento (realizado com a mesma perícia), mas emoldura
profundos questionamentos sobre a natureza humana, que ressoam semanas após a
sessão. Henri Georges-Clouzot dedica os primeiros quarenta minutos a nos fazer importar pelos
personagens (seção que não envelheceu tão bem), mas quando se inicia a jornada,
somos conduzidos pelas mãos de um mestre manipulador, que trabalha o suspense
nos detalhes. Uma cena específica demonstra a genialidade do diretor: Mario (Yves
Montand) é um jovem aventureiro que percebe a chegada do veterano Jo (Charles
Vanel) na cidade, com aparência refinada e uma atitude corajosa, passando a
admirá-lo. Os dois conversam no bar, enquanto Luigi (Folco Lulli), velho
conhecido do aventureiro, entra em atrito com o bem trajado forasteiro. Mario
não toma o partido de seu velho conhecido, quedando admirado pela coragem de
Jo, que não somente enfrenta Luigi, como também lhe oferece um revólver
pedindo-o que atire nele. O homem não consegue atirar e vira as costas,
afirmando não ser um assassino. Somente mais tarde, Clouzot nos mostra que a
“coragem” de Jo era apenas disfarce. Ele sabia desde o princípio que aquele
homem não lhe tiraria a vida, ele não lhe oferecia risco algum. Porém quando
confrontado por algum risco tangível (como a jornada no caminhão), ele perde
completamente o equilíbrio emocional, demonstrando ser extremamente covarde.
Outros exemplos, eu deixarei para o leitor descobrir.
Curioso perceber que o homem por trás desta majestosa
crítica à ganância, tenha padecido exatamente deste mal. Em 1964, Clouzot
pretendia revolucionar o cinema tal qual Fellini havia feito em “8 ½” no ano
anterior, contando uma fábula sobre amor, ciúmes e possessão. Seu
perfeccionismo doentio o levou a perder o comando de suas intenções, irritando
os atores e fazendo com que o seu projeto nunca visse a luz do dia. Vários
testes de cena (alguns bastante experimentais) entre Romy Schneider (a eterna
“Sissi”) e Serge Reggiani foram apresentados ao público no documentário “O
Inferno de Clouzot”. O ótimo registro mostra a busca incessante pela perfeição
técnica de seu criador. O desgaste físico e mental dos envolvidos retrata o quadro
angustiante de um profissional que enlouquece no meio de uma produção
milionária, sem saber que rumo dar a sua genialidade. Uma importante omissão é
feita, quando não é citado o período em que o diretor esteve em sanatórios,
tratando de um problema mental na década de trinta, o que ajudaria no
entendimento de sua personalidade criativa instável.
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