Orson Welles entrou para a história do cinema aos vinte e seis
anos, quando roteirizou, dirigiu, produziu e atuou em “Cidadão Kane” (Citizen
Kane -1941), considerado até hoje o filme mais importante já feito. O estúdio
confiou no corajoso rapaz, que não possuía nenhuma experiência na área,
dando-lhe total controle criativo. Audacioso, ele foi puxar briga logo com o
magnata intocável William Randolph Hearst. O jovem criticou duramente o lado
opressivo da mídia jornalística, que se acha no direito de controlar o mundo e
as pessoas. A realidade é que o magnata tentou a todo custo impedir o
lançamento da obra, mas não contava com a força de caráter do jovem
diretor, que ousou enfrentar a guerra e a venceu. Mas a que custo? Muitas
portas se fecharam para o garoto, o levando em uma espiral descendente de
frustrações. Somente o futuro fez justiça ao legado do cineasta.
Welles foi boicotado pelos estúdios em sua época, mais
precisamente após “A Dama de Shangai” (1948), quando os executivos cortaram aproximadamente uma hora do produto final, desagradando imensamente o profissional essencialmente autoral. As razões eram obscuras, alguns diziam que era por
causa de alguns fracassos de bilheteria pós-“Kane”, porém tenho uma teoria que
acredito ser mais elucidativa: tentaram calar Orson Welles. Sem o apoio dos
executivos dos estúdios, ele teve que se contentar com apenas uma de suas
vocações: a atuação. Sua fama criada na época era de que se tratava de um homem
de gênio forte, arrogante. Similar ao tratamento que os críticos americanos
reservam ainda hoje ao genial Jerry Lewis. Engraçado constatar que ambos eram
amados e respeitados na Europa, enquanto que na América eram tratados como
cineastas menores, até mesmo medíocres.
Em uma ótima entrevista que Jerry Lewis concedeu a Dick
Cavett na época, o cineasta deu uma fantástica explicação para este estranho e
injusto tratamento dado pelos estúdios e críticos para o seu trabalho, e tantos
outros como ele. Ao ser perguntado sobre as duras críticas que ele recebia por
suas comédias, Jerry respondeu: “Isto me chateia. Cheguei a ser acusado de
querer fazer tudo e de ser arrogante. Mas não pensam que é um trabalho árduo
dedicado a cada etapa do processo. Eu aprendi o máximo possível sobre a minha
profissão com os melhores professores: minha equipe. Prestava atenção e
perguntava sobre como funcionava tudo. Um dia cheguei a pensar em desistir de
carregar tanta responsabilidade para nunca ser reconhecido por este esforço, me
limitar a fazer as caretas em frente à câmera, porém um grande amigo, roteirista e diretor, Joseph Mankiewicz escutou meu desabafo e me disse:
Jerry, eu não me incomodo pelo fato de você roteirizar e dirigir, porque EU
também roteirizo e dirijo. Você vai perceber que aqueles que são obcecados com
sua forma de trabalhar, são aqueles que fazem apenas uma coisa. Com seu
talento, você salienta o fato de que eles são unifacetados, para a intensa
raiva deles. Eles querem que você se desmotive, desista e que a balança se
equilibre. As pessoas que realizam o mesmo trabalho que você não irão se
incomodar com a sua versatilidade, apenas aqueles que por comodismo, ou
incompetência, escolhem não acompanhar o seu ritmo”.
“Cidadão Kane” inovou em sua narrativa não linear,
alcançando um progresso na edição, do futuro diretor Robert Wise, que parecia
estagnada desde as revoluções criadas por Sergei Einsenstein ainda na época do
cinema mudo. Utilizou criativamente uma técnica na qual a câmera filma algum
objeto de cima para baixo, produzindo assim um efeito de diminuição do objeto
filmado. Porém o elemento que sobreviveu ao tempo foge da excelência técnica,
encontra-se na ousadia do jovem idealista, lutando bravamente para finalizar
sua obra e enfrentando todas as adversidades com garra e persistência. Welles
venceu, pois não conseguiram calar seu espírito. Ele não morreu, pode ser
encontrado na essência de todo jovem diretor que aceita desafio e que respeita
a Sétima Arte.
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