Um Convidado Bem Trapalhão (The Party - 1968)
No cinema é comum assistirmos cenas maravilhosas que
nasceram de uma ideia de última hora, porém é raro encontrarmos um filme que
seja um completo improviso. Assim como no Jazz, faz-se necessário haver extrema
confiança entre os componentes, para que soe harmônico e belo. Blake Edwards e
Peter Sellers eram como “cão e gato” fora dos sets de filmagem, chegaram a se
comunicar apenas por bilhetes passados por colegas, em “Um Tiro no Escuro”,
porém, alcançavam perfeita sincronia em suas mentes criativas. Reconhecendo o
talento único de Sellers, Blake decidiu criar uma obra aberta experimental, que
seria trabalhada diariamente entre o elenco. Claro que a trama-base não poderia
ser muito elaborada, podendo se passar em apenas um cenário. Sellers seria um
típico causador de problemas, convidado por engano em uma festa refinada. Com
somente cinquenta e seis páginas de roteiro, foram iniciadas as filmagens. A
grande inspiração foi Jacques Tati e seu humor físico, que envolve tudo ao seu
redor. Havia muitos elementos à disposição da dupla, que não poupou em
criatividade.
Peter viu em “Um Convidado Bem Trapalhão” (The Party - 1968)
uma oportunidade muito ansiada de ousar ainda mais. Ele não apreciava repetir
papéis, nesse momento ele já havia realizado seu segundo filme como Inspetor
Clouseau, buscando sempre diferenciar cada personagem de forma radical, seja no
vestuário ou na aparência, assim como na forma de falar. Ele decidiu então que
seria um indiano, o que o impulsionaria a trabalhar com o sotaque e modulações
na voz, o que sempre o agradava, já que seu jeito desajeitado o remetia ao
inspetor-chefe francês de “A Pantera Cor de Rosa”. Ele queria que sua criação
simbolizasse alguém que vivesse totalmente fora do universo artificial de
Hollywood, um outsider que desejava apenas ser querido durante uma
noite, ser aceito. Todos os esforços, e as consequentes confusões causadas,
guiados por uma incrível nobreza de espírito e humildade. O contraste da pureza
de seus atos com os perpetrados pelos convidados “normais”, uma tentativa de
estupro, entre outros, é o que eleva o valor desta comédia.
O ato final ficou um pouco datado com a inclusão de
elementos como um bebê elefante que adentra a festa, bolhas de sabão e outros
símbolos da excentricidade dos revolucionários anos sessenta. Mas como
esquecer-se de Sellers controlando sua bexiga para prestigiar até o fim a
canção (“Nothing to Lose”) da bela Claudine Longet? O incontrolável desejo
curioso de nosso herói ao ter seu primeiro contato com uma mesa de bilhar? Sua
reação ao surpreender-se bêbado? Como não recordar de seu amor pelos animais,
demonstrado quando alimenta um falante papagaio? Cenas geniais que nasceram no
improviso, com o encontro do clarinete (que, como Sellers,
utiliza o roteiro/partitura como base e transpõe com
enorme versatilidade/extensão de notas) e do trompete (que,
como Edwards, soa muito bonito, mas que antes da invenção do sistema de
válvulas fez-se vítima de seu limitado número de notas/ abusando das
repetições e visando o lucro nas bilheterias). Sons dissonantes que, quando
alcançavam harmonia, agraciavam a Sétima Arte com pérolas inesquecíveis.
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