Ladrões de Bicicleta (Ladri di Biciclette – 1948)
De Sica era um jogador inveterado, arriscava tanto na vida
quanto na sua arte. Foi obrigado a dirigir projetos apenas para pagar suas
dívidas de jogo, porém em seus anos iniciais, ainda com o brilho no olhar de um
jovem decidido a mudar o mundo, ele traduziu em imagens as esperanças de seu
povo, denunciando as mazelas que os políticos da época queriam esconder.
Altos dignitários pronunciaram-se contra ele, afirmando que com
“Ladrões de Bicicleta” o diretor mostrava ao mundo uma péssima imagem do povo italiano.
Acreditavam que as pessoas veriam o filme e pensariam que a Itália era feita de
homens que roubavam bicicletas. Mais uma vez, os políticos demonstravam
completa ignorância cultural (certas coisas não mudam), sobrepujada apenas pela
incompetência com que ministram seus próprios afazeres, ontem, hoje e sempre.
A crítica cinematográfica mundial costuma citar a obra por
sua importância para o movimento Neo-Realista italiano do pós-guerra, porém
acredito sinceramente que existe um enorme diferencial entre o trabalho de De
Sica e o de outros diretores que participaram do mesmo movimento, como
Rossellini, Germi e Visconti: o sentimentalismo. As obras do mesmo período
feitas por seus colegas diretores continuam sendo fantásticas, porém são como
documentos datados de uma época. Já os filmes de De Sica ultrapassam estes
limites e continuam impactando e emocionando seus espectadores. “Ladrões de
Bicicleta” é Neo-Realista, porém o mesmo tema poderia ser filmado em qualquer
período da história humana, pois lida com elementos muito mais abrangentes,
utilizando o sentimentalismo como força condutora.
Em um país destruído pela guerra, um pai (Lamberto
Maggiorani) luta desesperado por um emprego que o ajude a alimentar seu filho
(Enzo Staiola) e sua amada esposa (Lianella Carell). Após muitas tentativas
frustradas, ele consegue uma chance como colador de cartazes na rua, porém
descobre que é obrigatório que ele possua uma bicicleta para fazer este
serviço. Com muito esforço e o apoio de sua esposa, ele consegue dinheiro e
compra a mais simples dentre todas as bicicletas do bairro e inicia seu
primeiro dia de trabalho, deixando para trás o sorriso orgulhoso de seu filho.
No mesmo dia, em um momento de distração, o pai vê sua bicicleta sendo roubada. Como ele irá agora encarar seu filho e sua esposa? Como irá perdoar a si mesmo?
A conclusão da história é um dos momentos mais emocionantes que eu já assisti. De Sica nos toca ao mostrar o elo entre pai e filho na busca
por aquela simples bicicleta, que para aquela família representava sua
sobrevivência! “Ladrões de Bicicleta” é tão importante que foi selecionado para
ser preservado em um cofre numa montanha na Bélgica, como um exemplo a ser
guardado para futuras gerações, do que era a Sétima Arte.
Baixíssima verba e representantes do povo atuando, uma trama
simples e um cenário político e social que não ajudavam em nada à construção
deste filme. Conseguem se lembrar de algo semelhante em nossa história
cinematográfica? Ditadura (censura), cinema marginal, “boca do lixo” e
pornochanchada. Só que em terras brasileiras não havia ocorrido uma Guerra
Mundial que destruísse nossas cidades, nem mesmo estávamos na década de
quarenta. Os italianos conseguiram criar obras universalmente respeitadas em
tempos de crise, enquanto nossos cineastas (com raras exceções) apelaram para
as “saídas fáceis” em nossos períodos turbulentos (menores em escala). Parece
uma comparação boba, porém reflete muito bem certos vícios de atitude que ainda
se mostram muito presentes em nossa sociedade.
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