Street Fighter - A Última Batalha (Street Fighter - 1994)
Este filme que hoje me causa vergonha alheia, já foi o mais
esperado por minha contraparte de nove anos. Sem a internet, não podíamos
pesquisar previamente sobre as produções, recebíamos apenas o pouco material
que era divulgado nas revistas de cinema da época. Algumas fotos e uma breve
sinopse, que não nos faziam ter ideia da qualidade do produto que aportaria em
nossas ruas. Sim, pois cinema em Shopping Center era novidade naquela
época. Como quase todos os garotos da época, eu era um contumaz jogador de
videogames, ainda que não fosse daqueles que passavam horas em fliperamas.
Estava mais para aquele que ficava numa fila, para depois de um bom tempo,
acertar uns pontapés sem nenhuma estratégia e ser vencido com facilidade pelo
"apelão" (o que passava praticamente o dia inteiro jogando), voltando
novamente para o final da fila. Como fiquei feliz quando, finalmente, ganhei de
presente um "Super Nintendo", que vinha com o hoje, clássico, "Street
Fighter 2".
Quando minha geração soube que estava para sair um filme
sobre aquele jogo, passava a ser comum sonharmos com ele, praticando "Hadouken´s"
e "Shoryuken´s" no ar, em nossos tempos livres no recreio escolar.
Algum tempo depois, lembro-me bem, comprei na banca de jornal uma revista que
vinha com uma fita VHS com os clipes musicais da trilha sonora do filme. Nem
prestei atenção nas aulas daquele dia, louco de vontade de assistir aquela
preciosidade. Que tristeza, primeiro baque, perceber que a trilha (com exceção
de uma bela balada de Chage e Aska: "Something there") era composta
por uns hip-hop´s bem esquisitos, como "Straight to my feet"
(de MC Hammer) e "Pandemonium" (de "The Pharcyde"). Naquela
época eu já tinha bom gosto musical (já era apaixonado por ópera, por exemplo),
fazendo com que eu prenunciasse que aquele filme não seria tão bom como eu
imaginava. Mas uma mágica ocorreu quando fui assistir no cinema. Talvez,
influenciado pelo meu desejo de que aquele produto iria satisfazer a
necessidade dos jogadores de ver aqueles personagens em ação, minha imaginação
fértil completou as várias lacunas do roteiro. Por exemplo: eu tinha certeza de
que havia visto o Ryu (Byron Mann) lançar um Hadouken exatamente como
fazia no jogo. Somente quando revi o filme em VHS, meses depois, percebi que
minha memória emotiva havia me pregado uma peça. E o que dizer do Shoryuken vergonhoso,
que Ken (Damian Chapa) dispara contra Sagat (Wes Studi)? Pior que estes golpes
genéricos, foi perceber que nenhum personagem teve sua história respeitada pelo
roteiro. Ken e Ryu, protagonistas do jogo, haviam se tornado uma dupla de
trambiqueiros desastrados, algo como um Bud Spencer e Terence Hill em Shadaloo.
Raul Julia e Van Damme se enfrentando na batalha final? Que
gênio imaginou tal absurdo? Se a intenção era dar o "complexo"
antagonista a um ator reconhecido, custava terem escolhido um com algum
histórico nas artes marciais, respeitado na área? Para piorar, o ator estava
fisicamente fragilizado (ele viria a falecer antes da estreia), o que tornava
as cenas de luta algo menos impactante que aquelas exibições de ninjas em
circos. Julia ainda consegue, com seu talento inegável, entregar um vilão
carismático e engraçado, o que minimiza a tragédia. Mas Van Damme, o belga com
a bandeira americana tatuada no ombro direito, sem disfarçar seu sotaque
enquanto incentiva seus soldados com um fraco discurso inspiracional, entrega
uma versão "jardim de infância" de seus golpes característicos.
Guile, um personagem que não se destacava no jogo, tinha se tornado o
protagonista. Dhalsim (Roshan Seth) parecia com qualquer figurante de
"Ghandi", menos com o personagem do jogo, que carinhosamente nós
havíamos batizado de "Macumba". Nada de pernas elásticas e fogo sendo
atirado pela boca, apenas um cientista que poderia ser grego, japonês ou uma
tira de cartolina apoiada no cenário, que ninguém se importaria. E Blanka (Robert
Mammone), o acéfalo monstro verde que dá choque, a caricatura que os
estrangeiros fazem dos brasileiros? Custava, pelo menos, tê-lo feito verde e
dando choque? Ele aparece aos quarenta e cinco do segundo tempo, escondido nas
sombras, com uma peruca vermelha revoltante. Talvez o personagem mais
reconhecido no jogo, transformado em um rodapé de página sem nenhum desenvolvimento.
O pior é que, com todos estes problemas, alguma força
incompreensível ainda me faz assistir esta desgraça, sempre que o percebo sendo
transmitido na televisão. Por nostalgia ou autopunição, não sei afirmar, mas
com certeza um dos "pleasures" mais "guilty" que tenho
coragem de revelar.
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