segunda-feira, 26 de agosto de 2013

John Candy


Eu estou em mais uma daquelas madrugadas insones, passeando pelo site da minha antiga escola primária, nostalgicamente procurando nas fotos atuais, aquelas paredes em que me recostava na hora do recreio. Elas continuam lá, mas não são as mesmas. Lutando para conter as lágrimas, fecho os olhos e visualizo os corredores que vão além de onde as fotos mostram. O silêncio glorioso da madrugada permite que eu viaje para aquele local, chegando a sentir os aromas e o frio na barriga que sempre precedia o toque do sinal, a rápida arrumação dos livros na mochila e a volta para casa. Imprescindível era no caminho, passar pelo jornaleiro que havia a poucos metros da escola e pela locadora de vídeos. Havia dias em que a escola era apenas um pretexto para que eu pudesse visitar a locadora e passar um bom tempo, lendo e relendo as contracapas das fitas, sentindo-me adulto por estar escolhendo quais filmes iria locar. Baita responsabilidade.

O símbolo que representa para mim essa fase é John Candy. Houve um mês em que fiz um festival caseiro apenas com seus filmes. Eu já o adorava desde quando assisti “Splash – Uma Sereia em minha Vida” aos cinco anos. Por mais que o Tom Hanks, na época nem imaginava que ele se tornaria um grande nome em Hollywood, transbordasse simpatia e a Daryl Hannah fosse o meu ingênuo “sonho de consumo”, até assistir “O Silêncio dos Inocentes” e gamar na Jodie Foster, era aquele gordinho simpático que me fazia assistir várias vezes. Aos cinco anos eu não sabia discernir a razão, mas algo no ator me fazia acreditar que ele era um parente próximo, um amigo. Qualidade cada vez mais rara nos artistas fabricados de hoje em dia.

Não havia internet e o acesso às informações sobre os artistas de cinema internacionais eram escassas. Eu me lembro de telefonar para o meu avô para ver se conseguia tirar dúvidas a respeito de um ator dos anos cinquenta, torcendo para que sua memória me ajudasse. Dentre as poucas revistas temáticas da época, me recordo com carinho da minha favorita: “Video News”, que chegou a fazer uma reportagem sobre Candy, à época do lançamento de “Quem vê Cara, não vê Coração”. Eram poucas informações, fazendo com que ao final da leitura, aquele homem ainda fosse um estranho para mim. Filmes como “Aluga-se para o Verão”, ou como é chamado hoje: “Temporada de Verão”, e “S.O.S. – Tem um Louco solto no Espaço” me falavam mais a respeito dele do que qualquer reportagem. Ele não parecia atuar, era como se entre uma fala e outra, piscasse para o público, como quem diz: “Vamos! Entre na brincadeira!”

“Antes só do que Mal Acompanhado” é um dos primeiros filmes em que me lembro de ter chorado, o primeiro foi “Ben-Hur”, assistindo na televisão aquele final ao som de “Everytime you go Away”. Não sabia quem era John Hughes, nem conseguia entender o brilhantismo de sua direção, apenas respondia naturalmente ao olhar do personagem de Candy, que refletia perfeitamente toda a sua tristeza e saudade, por não poder abraçar sua esposa, como seu amigo, vivido por Steve Martin, fazia naquele momento. Terminava o filme com o melancólico sorriso dele, a música aumentava de volume e eu me debulhava em lágrimas, mesmo tendo passado o filme inteiro gargalhando. Acredito que aquele misto de emoções foi o que fez eu me apaixonar pela Sétima Arte. Com “Jamaica Abaixo de Zero” eu já era um pré-adolescente, feliz por reencontrar aquele velho amigo. A bela história me cativou e as lágrimas rolaram mais uma vez, porém as escondia, pois já era um rapazinho. Como é bom assistir o filme hoje em dia, sem as tolices da aborrecência, procurando desesperado resgatar a pureza da infância.

Sua morte em 1994, vítima de um ataque do coração, me abalou bastante, somente a de Christopher Reeve, vários anos depois, teria o mesmo impacto em mim. Apenas com a ascensão da internet é que pude ter contato com a sua história de vida, descobrindo feliz que aquela imagem que eu tinha dele era fiel à realidade. John Candy era considerado por seus colegas uma pessoa amável e genuinamente bondosa. Nunca tinha algo de ruim a dizer sobre ninguém. Atencioso com os fãs e bem humorado, chegou a deixar de aceitar papéis em filmes apenas para indicar amigos, como aconteceu em “Querida, Encolhi as Crianças” e “Os Caça-Fantasmas”, onde acreditava que Rick Moranis seria mais qualificado como intérprete. 

A manhã chega, sinto-a atravessar as persianas de minha janela, estou terminando de digitar esse texto, com lágrimas já secas no rosto. Esta hora, quinze anos atrás, eu estaria me arrumando para ir à escola, aquela escola que estava revisitando no site. Olho ao redor e vejo que meu quarto está diferente, não vejo mais minha mochila no chão perto da cama. A parede está aqui, posso senti-la, mas não é a mesma, ou talvez seja apenas minha mão que aumentou. Olho para minha coleção de DVDs na estante e vejo um amigo a me sorrir, convidando-me a voltar no tempo. Acho que irei aceitar seu convite... 
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