Introdução ao Conceito
Sou fascinado pela obra, tendo lido o livro de Arthur C.
Clarke quatro vezes. O filme eu devo ter assistido pelo menos quinze vezes, sem
exagero algum. O interessante é perceber como ele parece melhorar a cada
sessão, se modificando e se moldando à evolução da maturidade do espectador.
Ele faz parte de um seleto grupo de filmes que representam uma verdadeira
experiência sensorial transformadora, não apenas duas horas de escapismo na
sala escura.
O livro somente “joga” com a imaginação do leitor em seus
capítulos finais, porém se trata em grande parte de um ótimo conto de ficção
científica, bastante descritivo. Kubrick escolheu construir seu filme com mais
lirismo, deixando que cada espectador tirasse suas próprias conclusões a partir
de suas particulares experiências. Esta decisão resultou em uma “má fama” por
parte de alguns espectadores casuais, que esbravejam contra a obra, utilizando
adjetivos como: “terrivelmente chata”, “sem pé nem cabeça” e “coisa de doido”.
Já ouvi muitos dizerem que se trata de um ótimo remédio para a insônia. De
certa forma eu os entendo, pois quando o assisti pela primeira vez aos onze
anos de idade, também considerei um tédio. Eu não entendia a história e não
tinha lido o livro.
O diretor foi corajoso, pois acreditou na inteligência do
público. Ele poderia muito bem ter criado algo similar ao livro (com todas as
respostas) e ainda assim seria um ótimo filme, mas ao ousar trilhar o caminho
oposto, criou uma obra prima inestimável, a maior referência em seu gênero.
A Aurora do Homem
Como Arthur C. Clarke deixa claro no prólogo do livro, por
mais que nos aventuremos a imaginar as incríveis possibilidades de nossa
existência, questionarmos se estamos sozinhos no universo ou se chegará um dia
em que iremos encontrar entre as estrelas os nossos semelhantes (ou mestres), “a
verdade, como sempre, será muitíssimo mais estranha”. Partindo deste interesse
natural em entender as muitas lacunas que se fazem presentes na trajetória
humana no planeta, o escritor elabora uma questão simples e brilhante: não será
possível que já tenham acontecido encontros entre formas inteligentes de vida
extraterrestre e os habitantes da Terra? Fato é que existe margem para esta
dúvida. Os irregulares saltos evolutivos e a assustadora rapidez das inovações
tecnológicas nos últimos cem anos (da luz de velas ao computador) são apenas
algumas das peças deste “quebra cabeças” de proporções gigantescas.
Imaginemos uma possível realidade futura, onde astronautas
terráqueos descubram evidências reais de vida (celular que seja) em algum
planeta. Esta simples descoberta causaria um tremendo alvoroço, religiões
perderiam seus fiéis, que teriam que reavaliar todos os seus sistemas de
crenças, a sociedade nunca mais seria a mesma. Como tudo que é desconhecido,
passaríamos a temer esta realidade. Qual seria a atitude da NASA a este
respeito? Provavelmente se calar e manter esta evidência em segredo até que se
possa avaliar com total conhecimento o estranho evento. Enquanto isto, eles
teriam que monitorar aquele planeta, de forma que se tornasse objeto de
estudos. Que tal estabelecer monólitos (sondas magnéticas) em pontos
estratégicos, como em sua lua? Mas sejamos inteligentes. Que este monólito
lunar seja enterrado na superfície rochosa, pois caso alguma força exterior o
deixe exposto ao sol, o faça emitir o sinal magnético que avisará aos nossos
computadores que houve alguma perturbação vinda do local. Considerando que a
nossa própria existência se iniciou da mesma forma, como podemos ter certeza de
que aquelas células não irão evoluir no decurso de bilhões de anos, até se
tornarem seres inteligentes? Os cientistas da NASA então decidiriam inserir
também um monólito na superfície do planeta. Este teria que ser mais engenhoso,
pois ficaria exposto ao sol. Caso algum ser se aproximasse dele, o rebuscado
aparelho faria uma “leitura” com riqueza de detalhes, levando todas as
informações aos computadores da base. Agora para finalizar, imaginem que NÓS somos
o planeta em questão.
Os primatas terrenos se aproximariam do monólito com medo,
tentariam tocar nele. Após algumas horas, já se acostumariam com sua presença e
continuariam seus primitivos afazeres rotineiros. Mas a partir daquele primeiro
encontro, algo mudaria para sempre naqueles seres, pois eles haviam sentido
pela primeira vez a curiosidade. Imaginemos que os pesquisadores pudessem, não
somente registrar, como também modificar aquela realidade. Alguma forma de
mensagem subliminar que conseguisse ser passada pela sonda, diretamente no
cérebro em formação dos primatas. Que só atingiria aqueles grupos que
convivessem com a presença do monólito. Estes desenvolveriam lentamente novas
habilidades, movidos pelo crescente (e inexplicável) interesse curioso.
Passariam a perceber que fazendo uso dos ossos de feras abatidas, conseguiriam
impor-se perante os que os hostilizassem, assim como abater outras feras para
proverem alimento aos seus companheiros. Em alguns séculos, a diferença entre
estes primatas e os de outras regiões causaria um profundo desequilíbrio na
natureza. Nascia o homem.
Saltem no tempo comigo até o momento em que os homens
conseguem transpor suas barreiras gravitacionais e pisam pela primeira vez na
lua. Descobrem uma interferência magnética vinda do solo lunar e trazem à luz
do sol o estranho monólito negro que ali estava enterrado. Sem eles saberem, a
sonda emite o revelador sinal para seus criadores. Os astronautas agem como os
primatas, com medo e curiosidade, tentando tocar o objeto. Em pouco tempo se
acostumam com sua presença e até posam para fotos ao lado da misteriosa
descoberta. Estariam eles a partir daquele momento, novamente sendo “guiados”
pela sonda? Quais mudanças evolutivas aquele encontro traria?
Além do Portal das Estrelas
Tanto o livro quanto o filme se permitem fugir destes
questionamentos ao inserir o personagem “HAL 9000”, um computador de última
geração, capaz de emular os sentimentos humanos. Esta seção (por mais
interessante que seja) não se apresenta como um mistério a ser desvendado,
tratando-se mais de um necessário embate que movimentasse a trama. O “quebra
cabeças” proposto por Clarke e Kubrick retorna próximo do fim.
O astronauta da Terra foi enviado diretamente para a origem
da frequência magnética (da sonda) em Júpiter. Após uma longa e solitária
viagem, encontra milhares de monólitos estacionados na órbita do planeta
gasoso, decidindo então ir ao encontro deles. Deste ponto em diante, tanto o
livro quanto o filme caminham inexoravelmente a uma conclusão coerentemente
incompreensível. Não existe uma resposta certa, mas uma profusão de imagens desconexas
e acontecimentos que desperta em nós (e no personagem) a mesma curiosidade
primordial que tocou os primatas e os astronautas na lua, o símbolo de mais um
passo evolutivo. As perguntas que fazemos ao término do filme são muitas. Evolução em qual direção? Encontramos enfim nossos criadores (“Deus”)?
Conclusão
“2001 – Uma Odisséia no Espaço” (2001 – A Space Odissey –
1968) promove, acima de tudo, os questionamentos. Algo cada vez mais em desuso,
em uma sociedade tão facilmente manipulável.
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