terça-feira, 20 de agosto de 2013

"Umberto D.", de Vittorio De Sica


Umberto D. (1952)
O filme se inicia com uma dedicatória do diretor ao seu pai. Raros são os projetos cinematográficos atuais que visam objetivos tão nobres. O sentimento de entrega emocional se faz notar durante toda a obra, sem nunca apelar para o sentimentalismo barato.

A trama se passa no pós-guerra italiano, quando a sociedade se via devastada por uma inflação que devorava qualquer sinal de dignidade. Umberto Domenico Ferrari (Carlo Battisti) trabalhou toda a sua vida e agora procura viver sua aposentadoria e seus últimos anos com um mínimo de conforto. Sua sobrevivência se torna mais difícil a cada dia, a cada elemento de seu vestuário que se vê obrigado a vender para poder se alimentar. Seu aluguel atrasado e as constantes ameaças de sua proprietária não o deprimem tanto quanto a constatação de sua miséria pessoal. Olha no espelho e se esforça em reconhecer o mesmo homem que, anos atrás, acordava cedo para trabalhar e era respeitado por seus colegas. Agora é visto como um fardo a ser ignorado. Em dado momento afirma com convicção emocionante, que estão apenas esperando que ele morra, mas que ele não irá morrer.

Após vender todas as suas posses materiais, chega a simular uma grave doença, somente para poder ficar em um hospital. Lá, após uma rápida avaliação do médico, escuta que sua condição não é grave e que sairá no dia seguinte. Vittorio De Sica demonstra sua genialidade neste breve e sutil momento: a primeira reação de Umberto é informar ao médico que está sentindo muita dor em outro ponto do corpo, porém ao constatar o interesse dele, seu orgulho retorna vigilante e ele assume não estar sentindo nada.

Umberto possui na vida apenas o amor honesto de seu cão e o carinho zeloso da jovem empregada de sua pensão. O diretor nos entrega momentos incrivelmente emocionantes, como quando descobre que seu cão fugiu e o busca incessantemente pelas ruas. Seu caminho o leva ao matadouro de cães rejeitados, onde testemunha o triste fim dos pobres animais. Desespera-se ao imaginar que seu amado companheiro obteve o mesmo destino, porém se alegra ao reencontrar seu amigo, que havia sido encontrado pelos policiais.

“Umberto D.” é filme obrigatório para qualquer pessoa que intencione se apaixonar de maneira irreversível pela Sétima Arte. Como minha intenção é fazê-los se interessar em conhecê-lo, não contarei o que ocorre ao final (que considero um dos mais emocionantes de toda a década de cinquenta), porém revelarei a cena que acredito que simbolize a obra de maneira perfeita: o nobre senhor que procura manter sua dignidade a qualquer preço, se recusa a mendigar. Em uma de suas longas caminhadas, sua mente fraqueja e ele se encontra sem saída, timidamente estende sua mão à espera de alguns trocados, porém ao notar que um cavalheiro se aproxima para lhe ajudar, Umberto vira a palma de sua mão para baixo, simulando estar notando pingos de uma chuva ilusória. O cavalheiro guarda de volta no bolso o dinheiro que iria oferecer e continua sua jornada, deixando para trás um espécime cada vez mais raro em nossa sociedade: um homem de princípios.

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