Logo em seu primeiro longa-metragem: "O Garoto" (The
Kid - 1921), ele nos brinda com momentos de pura emoção e uma linda história que
esconde, por trás de sua pantomima, um terno e biográfico capítulo na vida do
artista. Quando uma angustiada mãe abandona seu filho recém-nascido, por não
ter condições de criá-lo, o vagabundo o encontra e com o tempo desenvolve um
laço de amor e amizade que muda a vida de ambos. Existe alguma cena mais
comovente que a batalha de Carlitos (little tramp) pela guarda do menino? São
para momentos como esses que o cinema foi criado e é por eles que se mantém até
hoje. O que torna "Em Busca do Ouro" (The Gold Rush - 1925) um
clássico inesquecível? A lúdica dança dos pãezinhos, a famosa degustação de uma
botina ou a impagável sequência da casa pendendo de um desfiladeiro? A
genialidade de Chaplin tornou cada uma dessas cenas um testamento histórico do
que de melhor a comédia já nos legou. São momentos da mais pura simplicidade,
sem nenhuma prepotência ou aparente pretensão artística, onde a verdadeira arte
sempre reside, onde o cineasta sem o auxílio do som consegue superar qualquer
ação de todos os diretores que o sucederam até hoje. O elemento que tornava
suas obras memoráveis não eram as histórias, nem tampouco as cenas de ação
acrobática, como Buster Keaton e Harold Lloyd, mas sim um comprometimento
devotado em levar emoção ao público. Seus filmes exalam paixão como o de nenhum
outro artista da época.
No início da década de trinta, a América passava por um
período muito difícil financeiramente, com o número médio de espectadores nas
salas de cinema caindo vertiginosamente e alguns estúdios abrindo falência. O
cinema falado era a novidade tecnológica que muitos deles se aproveitavam para
conseguir chamar a atenção do público, o que causou uma demanda enorme por este
tipo de produto. Feitos em escala industrial, no limite da mediocridade, com
tramas idealizadas às pressas e diálogos em excesso, como se num esforço para
colocarem os atores falando, qualquer coisa, o maior tempo possível em cena.
Chaplin recusava-se terminantemente a se vender ou mudar sua maneira de
conduzir seu trabalho. Graças a sua firmeza de caráter, o mundo foi presenteado
com a obra prima "Luzes da Cidade" (City Lights - 1931). O vagabundo
encontra uma humilde vendedora de flores e descobre que ela é cega. Apaixonado
por ela, ele tentará de tudo para conseguir arrumar dinheiro para pagar sua
operação. A sensível cena final é impossível de se expressar em palavras, mas
uma vez presenciada, fica gravada em nossas retinas o resto da vida.
Após a grande depressão, os estúdios de Hollywood começavam
a se recuperar financeiramente e o clima de felicidade reinava no país. Com a
obra "Becky Sharp", era inserido pela primeira vez o sistema de três
cores da Technicolor. Os musicais eram produzidos às pressas para
uma população sedenta em diversão descompromissada. Chaplin mais uma vez mostrava-se
à frente de sua época, pois percebia que a utilização da tecnologia em excesso
viria a trazer problemas para a humanidade, antecipando o futuro crescimento do
desemprego e a progressiva substituição de pessoas por máquinas. Como sempre
preferiu, mostrou sua opinião em forma de celuloide no eterno "Tempos
Modernos" (Modern Times - 1936). Além de compor uma canção de beleza
imortal: "Smile", ele ainda arruma tempo no filme para criticar o
cinema falado na música nonsense "Titina", uma junção de palavras
desconexas que não formam nenhum sentido, mas que ele expressa tão
genialmente em pantomima que fica claro para nós o que ele quer dizer. Existe
maneira mais inteligente de se opor a algo? Talvez... E o genial cineasta
provaria isto em seu embate com Hitler, anos depois.
A América passava por um período sombrio de guerra e poucas
esperanças, Chaplin respondeu ao chamado com o maravilhoso "O Grande
Ditador" (The Great Dictator - 1940), onde satirizava abertamente o
nazismo e o fascismo. O gênio da pantomima convidava abertamente o ditador para
um duelo cinematográfico em uma manobra ousada e muito perigosa. Ao final, com
um célebre discurso, dava voz ao pequeno vagabundo pela primeira vez, pois como
ele mesmo dizia, havia um bom motivo naquele momento para aquele gesto. Aliado
à emoção e as renovações da esperança, o filme revelava em seu íntimo as
crenças do seu criador na alma humana, como ele mesmo disse no poderoso
discurso final: "Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é
este o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja.
Gostaria de ajudar - se possível - judeus, o gentio... negros...
brancos. Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são
assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo - não para o seu infortúnio.
Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros?".
Finalizo esse texto com uma poesia que escrevi sobre o
homenageado, quando eu ainda era um pré-adolescente.
Ode ao Vagabundo
Maquiagem, bigode e bengala, fraque rasgado e sapatos
comestíveis.
Encarava, não importava se fosse um ditador ou um opressor
agente da lei.
Vagabundo de gestos nobres, talento e ousadia indiscutíveis.
Pai do cinema, inesquecível gênio desta arte pela qual me
apaixonei.
Dançarino versátil, desajeitado no andar, contraste que humaniza.
Sorriso lacrimoso, pranto esperançoso, contraste que o
mitifica.
Ópera muda, silencioso questionador, pantomima que nunca
giriza.
Egoísta enquanto Verdoux, porém altruísta com a florista que
não o identifica.
O beijo nos lábios do garoto, como que acariciando sua
própria imagem refletida,
Saudade da mãe, juventude interrompida pela necessidade,
redenção no mágico tablado.
O bêbado fortuito, Fred Karno e Mack Sennett, alegria por
muitas vezes impingida.
Fazia o globo rodopiar no dedo, pães bailarem, mas com
Hoover nunca foi dissimulado.
Fez parte da tortuosa engrenagem, mas nunca permitiu ser
manipulado.
Compositor de belos temas, sua melhor sinfonia foi regida
por Oona, fiel companheira.
Exilado, difamado, pela rainha condecorado, por sua arte
premiado.
Charles Spencer Chaplin, iluminado na ribalta da vida,
presenteou-nos com sua carreira.
Poesia e texto maravilhosos. Grande Chaplin , nunca será esquecido !
ResponderExcluirMaravilhoso Chaplin...
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