007 – Quantum of Solace (2008)
Qual o nível de perigo necessário para se moldar uma
personalidade? Esta nova atitude narrativa iniciada no filme anterior
consegue ao final deste projeto, chegar a algumas conclusões. A ideia dos
produtores da franquia: minuciosamente detalhar a transformação psicológica que
leva um homem comum a se tornar o agente secreto mais perigoso do mundo. Os fãs
se irritavam com a falta de elementos tradicionais, porém o caso é que o James
Bond interpretado por Daniel Craig é um espião em constante evolução.
Nesta incursão, ele começa a descobrir as vantagens de se usar a inteligência
em situações complicadas. Percebe que ao usar seu charme, persuadindo uma bela
mulher, poderá mais facilmente conseguir o que deseja. Mas ainda não é desta
vez que ele irá dar valor ao seu Martini personalizado. O Bond de “Quantum
of Solace” está a caminho da sofisticação, descobrindo que a força bruta irá
ajudar, porém só se aliada à estratégia.
A direção equivocada, ainda que elegante, de Marc
Forster (de “Em Busca da Terra do Nunca”), conduz com ação excessiva este
projeto conclusivo. Na realidade, o filme é a segunda parte de uma obra
única, de um conceito iniciado em “Cassino Royale”. Ao final deste, com o
retorno de um dos mais importantes símbolos icônicos da franquia, os fãs teriam
a constatação deste fato. O roteiro novamente escrito por Paul Haggis, Neal
Purvis e Robert Wade fala sobre a indústria da seca idealizada
por um ambientalista cruel de nome: Dominic Greene, interpretado pelo francês Mathieu
Almaric. O doentio vilão pretende tomar o controle do suprimento de água
que abastece a cidade. A importância de Greene na trama é pano de fundo para
uma amostra do poder da organização criminosa: “Quantum” (qualquer semelhança
com a S.P.E.C.T.R.E. não é mera coincidência). Na melhor cena do projeto, vemos
o herói infiltrado em uma apresentação de ópera lotada de soldados secretos da
organização comunicando-se entre si, porém sem despertar a atenção de nenhum
dos civis presentes. Brilhante momento que se utiliza do cenário gigantesco
para mostrar sutilmente quão pequeno 007 se torna ao deparar-se com um séquito
vilanesco tão bem orquestrado.
O crédito musicado (devido ao medíocre trabalho da MK12,
substituindo o excelente Danny Kleinman, que havia conseguido evoluir o
trabalho iniciado por Maurice Binder), é estilizado e sem alma, evocando o tema
do deserto. Outro ponto fraco é a canção-tema: “Another Way to Die” (Jack White
e Alicia Keys) que, além de não empolgar, ainda parece não se encaixar com o
que vemos na tela. Havia a possibilidade do retorno de Shirley Bassey, com
insinuações de seu tema sendo inseridos na trilha oficial em alguns momentos,
mas acabou tendo sua clássica elegância descartada em favorecimento a um
barulho moderno. A trilha sonora de David Arnold mantém-se de bom nível,
porém prejudicada pela fraca canção-tema. A canção rejeitada foi finalizada por
Don Black e acabou sendo gravada por Bassey, com o título: “No Good About
Goodbye”. No filme seguinte, os produtores demonstraram que aprenderam com o
erro, optando por uma cantora de real talento vocal e um estilo elegante e
clássico, condizente com o legado do personagem.
A Bond Girl Camille (Olga Kurylenko) carrega em
seu passado um trauma que a marcou irreversivelmente. Ela buscará a vingança
contra o homem que arruinou sua vida. Esta situação remete a outra Bond
Girl do passado, mais precisamente a do filme “For Your Eyes Only”,
interpretada por Carole Bouquet. A segunda conquista do espião na trama, a
agente Fields (Gemma Arterton) terá um fim trágico e que remete à cena clássica
de “Goldfinger”. O filme traz muitas referências descaradas a outros projetos
da franquia, como “Moonraker” e “The Spy Who Loved Me”. O personagem de Giancarlo
Giannini, o sofisticado René Mathis retorna e é o responsável pelo momento mais
engraçado, onde a bordo de um táxi, tenta manter uma conversa muito importante
ao celular. Outro símbolo que retorna é o agente da CIA Felix Leiter (Jeffrey
Wright), que mais uma vez irá ser de vital importância no sucesso da missão de
007. Sua participação é menor que no filme anterior, porém é muito interessante
a maneira na qual seu personagem interage com o de Bond. Méritos para a direção
que soube aproveitar o fato de que ambos já se conheciam, porém estavam
incapacitados de se comunicar livremente. Judi Dench continua atuando
com perfeição e sua M é um fator essencial na transformação do agente, algo que
evoluiria para a melhor sacada da franquia, em “Skyfall”.
A melhor cena de ação é aquela em que Bond pilota um avião e
participa de uma perseguição aérea, culminando com uma cena de forte impacto
psicológico. Ele terá que depender de Camille para sobreviver. “Quantum of
Solace” é um filme curto, devido ao problema com a greve dos roteiristas, que
prejudicou bastante o resultado final, com pouco mais de uma hora e quarenta
de projeção, o que acaba servindo para reafirmar o fato deste projeto ser
apenas a conclusão dos eventos apresentados no anterior. A MGM sofreu grande
abalo financeiro em 2010, levando os produtores a suspenderem a realização do
próximo filme. “Skyfall” não seria apenas mais uma tentativa dos produtores,
mas sim a confirmação da competência de todos os profissionais que conduziram a
criação de Ian Fleming nestes cinquenta anos. A franquia ressurgiria
das cinzas, com um sucesso de público e crítica, um feito a ser celebrado pela
indústria.
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