quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Berlin Alexanderplatz - Capítulo 1


O diretor alemão Rainer Werner Fassbinder nutria pelo livro homônimo de Alfred Döblin (considerado por alguns literatos como o equivalente alemão da obra “Ulysses”, de James Joyce) uma profunda admiração, enraizada desde sua juventude. Inspiração expressada inclusive em seu primeiro filme: “O Amor é mais Frio que a Morte” (1969), em que viveu um personagem com o mesmo nome do protagonista da obra. Ao longo de sua carreira, sempre procurou buscar aprofundar-se nas razões que moviam personagens rejeitados pela sociedade, emulando a forma como Döblin trabalhou seu livro, desnudando camadas psicológicas de todos os elementos que compunham o dia a dia do anti-herói Franz Biberkopf, incluindo todas as pessoas com quem se relaciona. O sonho antigo de capitanear o hercúleo esforço de transpor o livro para a linguagem que dominava, realizou-se no final da década de setenta, com um projeto em larga escala (quinze horas e meia) para a televisão. Composto por treze capítulos e um epílogo, “Berlin Alexanderplatz” será analisado em uma série de breves textos (da mesma forma que farei posteriormente com “Decálogo”, de Krzysztof Kieslowski), onde procuro essencialmente incentivar o desejo no leitor de conhecer este belo trabalho.  

Capítulo 1 – O Castigo Começa
Ficamos conhecendo Franz (Günther Lamprecht) no exato momento em que ele é levado a reintegrar-se à sociedade, ainda com suas pernas trêmulas e uma fotossensibilidade que reflete o choque do pássaro ao ver aberta sua gaiola. De início não conhecemos as razões que o levaram ao confinamento forçado, somente nos envolvemos empaticamente com sua fragilidade emocional, evidenciada pela forma com que grita seu angustiado silêncio. Um olhar para seu esperançoso recomeço é o bastante para que suas pernas procurem o conforto da prisão, com suas paredes que oprimem e nas quais já havia se acostumado a amparar em longos quatro anos. A sua expressão é de uma criança cuja ingenuidade havia sido corrompida pela maturidade. Os seus primeiros passos são desajeitados, mas sua convicção mostra-se firme: ele deseja apenas fazer o bem, nunca mais errar.

Personagens começam a confrontá-lo em seu caminho, como o judeu atencioso que procura motivá-lo com um conto inspirador (que se mostra bastante realista em seu infeliz final). O curioso é notar que enquanto a narração percorre pelas conquistas de seu herói, Franz demonstra abalo e tristeza, porém no momento em que a trama adentra os percalços e a tragédia, o homem parece reviver em si mesmo. Ao ver-se na miséria do protagonista do conto, Franz passa a acreditar que sua redenção é possível, que a esperança pode alcançar até mesmo os mais falhos e medíocres. Com sua moral parcialmente restabelecida, ele busca agora reafirmar-se como homem (sexualmente), porém não logra sucesso nos braços de uma prostituta, que debocha de sua impotência. A narrativa até este momento já havia apresentado uma cena muito rápida e eficiente, que explica este fracasso amoroso, assim como insinua a razão que o levou ao encarceramento. 

Quando em um de seus passeios ele vislumbra uma foto de uma jovem seminua, a ágil edição intercala duas breves cenas: o seu beijo apaixonado em um pescoço e, radicalmente oposta, um violento bofetão, desferido no rosto da mesma garota, Ida (Barbara Valentin). Posteriormente encontramos uma foto da jovem emoldurada na casa de sua irmã Minna (Karin Baal), que recebe uma inesperada visita de Franz, fazendo-a relembrar a relação que mantinham outrora. Ele revive Ida em sua irmã, retomando sua confiança sexual. Segue-se uma narração fria de como o ato de violência no passado havia sido cometido, estabelecendo o assassinato como algo facilmente compreendido (simplificado) pela resolução de uma equação física (que aparece em forma de intertítulos).

O final do episódio representa a gênese de um homem renovado reintegrado em sua sociedade. Após reencontrar um velho amigo (fazer as pazes com seu passado) e conquistar o apreço de uma bela jovem (reafirmando-se como homem), consegue até mesmo reverter um difícil obstáculo: tido pelas autoridades policiais como uma ameaça à sociedade, ele recebe oficialmente um aviso de que não pode transitar livremente em seu país. O Franz do início do episódio teria desistido, mas não é o que ocorre. A solução que encontra: manter-se trabalhando, sendo monitorado de perto pelas autoridades. O caminho não será fácil, mas sua obstinação o conduzirá adiante. Ele enfim sente-se seguro para gargalhar...

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