Divórcio à Italiana (Divorzio all´Italiana – 1961)
Para realmente captar o conceito desta obra, precisa-se
entender que o divórcio era proibido na sociedade italiana da época (somente
legalizado nove anos depois, ainda com vários problemas burocráticos que se
estenderiam até o final da década de oitenta). Marcello Mastroianni vive um
homem preso a um casamento falido, com uma mulher que não considera sequer
atraente (a forte maquiagem em Daniela Rocca ajuda a ressaltar este aspecto) e
um status na sociedade (como Barão) que o aprisiona, sentindo-se como parte
estrutural daquele ambiente, cujas ações e omissões são julgadas por todos.
Mesmo passando uma situação financeira difícil, não pode simplesmente arrumar
um emprego qualquer. A paixão que sente é pela prima adolescente (vivida por
Stefania Sandrelli). A solução que ele encontra para livrar-se de seu
compromisso é induzindo sua esposa a traí-lo, para que ele assim possa pegá-la
no ato e assassiná-la (o que era visto pela lei, como um homicídio
justificável, com uma pena branda).
O diretor Pietro Germi em seu primeiro trabalho no
gênero (após ter realizado alguns ótimos dramas neo-realistas, como “O Ferroviário”),
conduz esta excelente comédia com um humor negro irresistível, onde as
inserções narradas pelo protagonista em off, ficam cada vez mais absurdas.
Não existe previsibilidade no segundo ato, que entrega momentos brilhantes (como
o desfecho, onde o diretor demonstra que mesmo na mais escrachada comédia,
consegue incutir seus questionamentos de outrora) e outros onde a metalinguagem
demonstra a segurança da indústria italiana da época com sua arte, como na
inclusão de “A Doce Vida” no enredo, criando a bela cena onde Mastroianni
admira a beleza de Anita Ekberg (sua colega na obra de Fellini) na sala escura,
como espectador.
Seduzida e Abandonada (Sedotta e Abbandonata – 1964)
“O homem tem o direito de pedir, mas a mulher tem a
obrigação de recusar”.
A popular comédia italiana da década de sessenta,
inspirava-se nas obras americanas de Howard Hawks, Delbert Mann, Richard Quine
e outros, que com humor tratavam da batalha dos sexos (como os protagonizados
por Rock Hudson e Doris Day) com uma “pimenta” a mais, caso comparados aos
projetos similares das décadas anteriores. Os italianos adicionaram um forte
tempero e se ampararam no intenso carisma de seus artistas, resultando em obras
como “Matrimônio à Italiana” e “Ontem, Hoje e Amanhã” (ambos com Sophia Loren e
Marcello Mastroianni). O filme que abordo neste texto existe em um contexto um
pouco diferente, um amadurecimento do conceito, onde os temas eram tratados com
o mesmo humor, porém com certo cinismo.
Assim como “Divórcio à Italiana”,
faz-se preciso que o espectador moderno tenha em mente três aspectos sobre a
sociedade italiana da época, para compreender plenamente a obra e entender a
crítica do diretor: 1) A impossibilidade de um casal se divorciar
legalmente, 2) A importância dada à honra de uma família, que deveria
ser protegida da maneira que fosse possível, 3) Legalmente, um
estuprador poderia ser absolvido caso casasse com sua vítima. A bela Stefania
Sandrelli (aconselhada por Germi a atuar como se estivesse em um filme mudo)
vive a adolescente Agnese, que submete sua família à humilhação moral, ao
entregar-se à luxúria (palavra que rende uma das cenas mais engraçadas) com o
noivo de sua irmã. Dentre os vários elementos de crítica que Pietro Germi inclui, vale
ressaltar a presença do “barão” (vivido por Leopoldo Trieste) falido e
suicida, que é manipulado pelo pai da jovem, para noivar com a rejeitada irmã.
Mais preocupado em saciar sua fome, o pobre e desdentado homem adia então a
utilização de sua corda, que deixa balançando presa ao teto de sua sala sem
mobílias.
Duas obras-primas do humor negro! A vida é assim mesmo... sublime e grotesca!
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