A Montanha dos Sete Abutres (Ace in The Hole – 1951)
Billy Wilder era o roteirista mais perigoso de sua época. Com sua
inteligência ferina, escrevia diálogos e situações que atacavam fortemente
certos setores da sociedade, mas disfarçados de simples comédias. Nesse projeto
ele criticou ferozmente a falta de ética no jornalismo. A capacidade de síntese
do diretor se mostra claramente. Somos apresentados ao
jornalista Chuck Tatum, vivido por Kirk Douglas, que parece esbanjar
arrogância enquanto intenciona encontrar-se com o editor de um pequeno jornal
de uma cidade interiorana. Antes de entrar em sua sala, têm sua atenção guiada
a um quadro bordado de maneira simples na parede, com os dizeres: “Diga a
Verdade”. Surpreende-se ao encontrar o mesmo símbolo no escritório do editor e, com muita atitude, ele se dirige ao velho profissional dizendo: “Sou um
mentiroso.... Se eu não tiver notícias a dar, eu vou para a rua e mordo um
cão”. Após contar sobre os vários problemas que causou em seus trabalhos
anteriores, acaba aceitando a menor oferta de pagamento do editor. Em apenas
cinco minutos, o diretor nos introduz de forma brilhante à força motriz da
trama: o personagem de Douglas e seu caráter.
O jornalista ambicioso sabe que precisa de uma história
realmente impactante para pavimentar seu caminho até o sonhado prêmio Pulitzer.
De uma forma completamente arbitrária ele acaba conhecendo o drama de um jovem
mineiro, vítima de um deslizamento de terra enquanto trabalhava em uma mina. Inicialmente
o que chama a atenção de Tatum é o nome dado pelos índios ao local: “Montanha
dos Sete Abutres”, afirmando que gostava do som daquela frase. A eficiência do roteiro de Wilder se encontra em sua
simplicidade. Como no diálogo travado entre Tatum e seu jovem colega de
profissão, sobre o interesse humano, quando afirma sorridente que é muito melhor
uma tragédia com uma vítima, do que uma com cem ou mil! Quando uma pessoa lê
nos jornais sobre uma tragédia de enormes proporções, ela se entristece, mas aquilo
não muda sua vida. Quando se lê a respeito de uma tragédia com apenas uma
vítima, instantaneamente você se coloca no lugar dela e não consegue pensar em
outra coisa, enquanto aquela pessoa não estiver a salvo.
O filme se encaminha a um ponto onde começamos a nutrir nojo
pelo ser humano. O jornalista começa a atrasar propositalmente o resgate do
humilde trabalhador, causando uma comoção nacional. O asco que sentimos é maior
ao constatarmos que o tema ainda se mostra extremamente atual, inclusive ao retratar
o comportamento humano diante destes eventos. Multidões se aglomeram no local,
como urubus cercando a carne exposta ao sol do deserto. O filme foi um fracasso de público e crítica (não me
surpreendo) na época de seu lançamento. O próprio diretor decifrou o enigma,
quando afirmou que o público havia rejeitado violentamente o filme, já que se reconheciam na tela como os grandes vilões da trama. Verdade absoluta,
mestre. Os jornalistas sem ética apenas alimentam as feras, eles não as criam.
Esse filme é maravilhoso. Vale a pena ver também: O Quarto Poder" de Costa-Gavras (1997), com a mesma temática. Aliás, também um fracasso de público. :)
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