Grande Sertão: Veredas (1965)
"Sertão, o senhor sabe, é onde manda quem é forte, com
as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado".
Houve uma época em que o cinema nacional investia em obras
de gêneros (algo essencial na formação de uma indústria cinematográfica), como
nesta produção dos estúdios "Vera Cruz" (berço de Mazzaropi), que
adapta o livro de Guimarães Rosa: "Grande Sertão: Veredas". Na época
ele foi muito criticado, assim como o excelente "O Pagador de
Promessas" (único filme brasileiro a receber a Palma de Ouro em Cannes,
algo que não descia na goela dos realizadores do "Cinema Novo"), por
ser tradicional. A moda era levantar a bandeira da estética da fome, uma cópia
disfarçada que se apropriava da originalidade do movimento neo-realista
italiano e da nouvelle vague francesa. O pensamento era: "nós somos
bons demais para fazer filme de terror". O patrono desta revolução nascida
de um complexo de vira-lata, que buscava desesperadamente atrair o
reconhecimento intelectual e desprezava o que era popular, foi Glauber Rocha. O
legado deixado por estes "gênios" politizados e influenciados por
substâncias psicotrópicas foram alguns filmes insuportáveis (ainda que
incensados por muitos), direcionados para o próprio umbigo de seus realizadores
e seus familiares próximos, além da interrupção de uma potencial indústria, que
com erros e acertos (como qualquer uma) conseguiria formar em longo prazo um panorama
mais interessante do que o que estamos presenciando hoje.
O filme cria uma ambientação perfeita, mas possui alguns
problemas, como um excesso de narração em offnos primeiros quinze minutos,
fazendo com que a trama demore a engatar. Como parte do ciclo de filmes que
utilizavam a influência dos faroestes americanos, temos na bela fotografia de
José Rosa (que anos antes havia feito "Vidas Secas") uma forte
inspiração nos trabalhos de John Ford. A câmera descritiva, em movimentos
panorâmicos, explora a paisagem com o mesmo desejo em mitificar (elemento
auxiliado pela trilha do gaúcho Radamés Gnattali) aqueles homens de expressões
rochosas. O belo rosto de Sônia Clara (em seu primeiro trabalho, ainda
adolescente) é trabalhado pela fotografia (como na cena em que está deitada em
uma rede, banhada por sombras duras, que salientam a dicotomia de sua
personagem) e complementado por sua atuação plena em sutilezas. O ponto alto do
filme é a constante transformação de Reinaldo em Diadorim, refletida em sua
postura que se alterna entre demonstrar a firmeza do valente sertanejo e a
fragilidade da jovem apaixonada. Um dos méritos da adaptação foi modificar o
momento da revelação de sua identidade, posicionando-a ainda na metade da
projeção (no livro é revelado apenas no final, o que poderia soar ingênuo em
uma mídia audiovisual). Gosto muito de uma bela montagem no terceiro ato,
intercalando os berros silenciosos do protagonista (vivido por Maurício do
Valle) desafiando o demônio, com o som de uma tempestade que se aproxima e os
trovões que cruzam o céu do sertão.
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