O canadense David Morrell lançou seu primeiro
livro: “First Blood” em 1972, um típico exemplo de consumo rápido, daqueles que
folheamos avidamente e terminamos em uma só madrugada insone. A estrutura
simples e episódica, narrando a perseguição de um jovem veterano da Guerra do
Vietnã, por policiais de uma cidade interiorana. Rambo quer apenas ser
respeitado após ter testemunhado tanta desgraça, mas pisa no calo de um xerife
complexado que vê na recusa do jovem em aceitar seu comando, uma grave ofensa
pessoal. O ato final é eletrizante, com o jovem utilizando tudo o que aprendeu
nas forças armadas, contra os policiais da cidade. Ele tenta cometer suicídio, colocando
dinamite no próprio corpo, mas decide morrer de forma honrada em confronto com
o xerife. Ao final fica subentendido que, por compaixão, ele já exaurido e
gravemente ferido recebe um tiro de misericórdia do Coronel Trautman, vivido no
filme por Richard Crenna, e morre.
No cinema o personagem ressurgiria como um símbolo de seu
tempo. O diretor Ted Kotcheff ofereceu o papel principal ao
jovem Sylvester Stallone, após os produtores terem considerado artistas
como Clint Eastwood, Paul Newman, Al Pacino e até mesmo Dustin Hoffman. Quase
todos recusaram por acharem o personagem muito violento, menos Pacino, que
declinou da oferta por não poder torná-lo ainda mais insano. Stallone estava
com tudo em Hollywood, após o enorme sucesso de seu roteiro: “Rocky”. Ele decidiu
então reescrever o roteiro do filme, evitando colocar o protagonista como
causador direto das mortes, mostrando-o como uma vítima das circunstâncias.
Esta decisão foi essencial para o sucesso do filme, enquanto que sua decisão de
manter o personagem vivo seria o mote perfeito para o nascimento da lucrativa
franquia. Morrell gostou tanto das modificações propostas pelo jovem ator, que
as amalgamou nas continuações que escreveria sobre o personagem. O final
original do livro chegou a ser filmado, mas acabou sendo rejeitado em favor de
algo muito mais eficiente, o famoso monólogo escrito por Stallone: “... Na
guerra nós tínhamos um código de honra, eu protejo você e você me protege. Aqui
não há nada! Eu podia dirigir tanques, estava responsável por equipamentos de
um milhão de dólares, mas aqui eu não posso nem trabalhar de flanelinha”.
Não tem como falar do filme e não mencionar sua espetacular
trilha sonora, composta por Jerry Goldsmith. O tema “It´s a Long Road”
capta com perfeição a angústia do jovem, que em seu crescendo explode e revida
com as armas que a sociedade lhe entregou. A trilha composta para o segundo
filme: “Rambo 2 – A Missão” (Rambo: First Blood Part 2 – 1985) ainda é
considerada um dos pontos altos da carreira do compositor, simbolizando em sua
percussão agressiva a transformação do conceito minimalista “oprimido se
revolta” em um super-herói caricatural. A bandana vermelha passando a figurar
como um acessório mitológico, um retrato da América belicista de Ronald Reagan,
tomando de assalto o mundo com guerrilheiros camuflados e suas metralhadoras na
altura da cintura. O diretor George P. Cosmatos construiu um filme de
ação perfeito, exercendo influência direta em vários similares produzidos em
sua década. O protagonista não recebe nenhum aprimoramento em suas motivações
psicológicas, tendo inclusive seus traumas suavizados no roteiro, favorecendo a
inclusão de cenas de alívio cômico e um breve romance. Já “Rambo 3” (Rambo 3 –
1988) sofre pela indecisão no foco, sem aprofundar-se como drama ou ação. O
roteiro intenciona nos levar a torcer pelo revide dos afegãos, mas nunca os
retrata com humanidade suficiente para que realmente nos importemos. A escolha
do diretor Peter MacDonald em abraçar alguma verossimilhança visceral
ao denunciar uma realidade violenta, se vê comprometida ao novamente colocar no
terceiro ato, que parece mais guiado pelos produtores, o protagonista como um
super-herói caricatural, que irá vencer sozinho a guerra, munindo uma faca
estilosa que protagoniza mais planos de detalhe que os closes do próprio
guerreiro. “Rambo 4” (Rambo – 2008) entrega o desfecho que Stallone, que pode
ser considerado o cocriador do personagem, quis dar ao velho herói. Com uma
violência extremamente gráfica e o apreço do diretor Stallone pelas montagens, que
faz muito bem, o filme serve como uma apropriada conclusão, onde o velho
combatente enfim retorna para sua casa, após a longa estrada percorrida.
Passados trinta anos, muitos cinéfilos e o público em geral,
tendem a menosprezar o personagem. Basta um olhar mais dedicado e menos
preconceituoso, para perceber a qualidade da obra original e o até mesmo o
valor de suas sequências. O fenômeno “Rambo” foi avassalador na década de
oitenta, espalhando-se por várias mídias e influenciando o cinema de ação que
era realizado. Eu ainda guardo na memória os bonecos inspirados na animação “Rambo:
The Force of Freedom”, as tintas verdes que eram vendidas como camuflagens para
as crianças da década de oitenta e, claro, a bandana vermelha que utilizei na minha
festa de aniversário de cinco anos.
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