sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Sábio Silêncio - Parte 5


Acordando com o balançar do automóvel, eu me surpreendo com minha fraqueza, sentindo-me quinze anos mais velho. Como me deixei levar pelo sono em aventura tão fantástica? Antes mesmo de me acostumar com a paisagem, o veículo diminui sua velocidade e um novo passageiro entra com um gesto de refinada mesura, sentando-se à minha frente. A aparência era de um bancário daqueles filmes de faroeste que eu assistia quando criança. Ainda buscando despertar totalmente, eu evito iniciar uma conversa, continuando a admirar a vista pela janela. O homem que não devia ter mais que quarenta anos, parecia bastante ansioso e mantinha os joelhos em movimento, o que causava um som irritante. Minutos depois eu percebi que não conseguiria concentrar-me em meu desinteresse, voltando então meus olhos para o homem, que sorriu e começou a tagarelar. Entre o que eu consegui apreender de sua vida, chamava-se Carl, era casado com Nancy e estava a caminho de uma festa organizada por Samuel Goldwin, onde iria reencontrar seu velho amigo Harry Aitken. Enquanto ele se gabava de seus refinados contatos e perdia-se em sua própria arrogância, eu forcei minha mente para tentar de forma oportunista lembrar a conexão que havia entre Aitken e meu objetivo. Não poderia perder aquela oportunidade, já tendo total conhecimento de que nada era por acaso.

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Harry Aitken e seu irmão Roy, genuínos pioneiros do sistema de estúdios americanos, fundaram em 1915 a Companhia Triangle Motion Picture. Entre aqueles que trabalhavam para eles, estavam D.W. Griffith e Mack Sennet. A Companhia foi a responsável pela criação dos cômicos Keystone Cops, além de ter realizado o conturbado “O Nascimento de Uma Nação”, que causou problemas por toda a América, com sua temática racista e apoio à Ku Klux Klan. Por volta de 1918, após graves problemas financeiros, a Companhia foi comprada por Samuel Goldwin. Harry fundou também, em 1912, os estúdios Mutual, onde Chaplin viveu seu período mais fértil em criatividade e experimentação.

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A providência é incrível, pois eu estava indo tentar a sorte como um figurante em direção ao set da produção de Harold Lloyd, quando aquele homem apareceu do nada e modificou totalmente meu plano. Decidi então que iria tentar ser convidado a acompanhar meu forçado amigo na festa, onde encontraria, caso o homem não estivesse apenas deslumbrado em excesso, não apenas Mack Sennett, como também Mary Pickford e Lillian Gish, o que talvez me levasse mais próximo ao meu sonhado encontro com os mestres da comédia muda. Nada poderia me preparar para o que a providência havia me guardado para a hora seguinte. Como eu fui ingênuo a ponto de acreditar que cada passo meu nessa jornada não estava milimetricamente traçado a meu favor. O meu tímido pedido foi recebido com um estrondo pelo falastrão, que via naquela situação uma possibilidade eficiente de demonstrar para mim a intimidade dele com os figurões que lá estariam. Utilizando a prepotência do homem a meu favor, eu agradeci gentilmente e fechei os olhos alegando cansaço, porém, minha mente manteve-se trabalhando durante o resto do trajeto.

O destino era Massillon, Ohio, e à minha frente impunha-se o refinado titã de mármore Lincoln Theatre, fundado em 1915, pela Companhia de Harry Aitken. O próprio Harry veio me receber ao lado do meu novo amigo, porém, demonstrando muito pouco daquela afeição tremenda que o homem havia me insinuado na viagem. Carl era provavelmente mais um dentre tantos chapéus e bengalas que o anfitrião recebia com elegância. Disfarçando seu embaraço com a frieza do “grande amigo”, Carl evitou o meu olhar, refugiando-se próximo a um grupo que gargalhava alguma piada política da época, cujo significado eu não compreendi. Eu estava sozinho naquele ambiente lotado de rostos desconhecidos, sem nenhum plano estabelecido. Quando estava praticamente desistindo da empreitada e preparava-me para continuar meu caminho previamente estipulado, ao encontro de Hal Roach e Harold Lloyd, um rosto familiar destacou-se na multidão. Escutando uma voz masculina que chamava seu nome, o elegante homem virou-se para trás e cumprimentou de forma efusiva o anfitrião da festa. Eu então tive a confirmação, aquele que estava a doze passos de distância de onde eu procurava manter-me calmo, era David Wark Griffith.

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Harry havia tido grande importância na carreira de Griffith, pois o ajudou em seu início chamando-o para os estúdios Mutual. Quando o épico “O Nascimento de Uma Nação” ultrapassou todos os custos de produção, ele acreditou no trabalho do jovem e trabalhou o filme de forma independente. Mesmo com todos os problemas que o tema causou, foi um enorme sucesso financeiro, como nunca antes havia sido visto na indústria que se formava.

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Chegando próximo dos dois, eu consegui escutar uma breve conversa onde Griffith mencionou alguns casos curiosos de sua recente filmagem: “The Greatest Question”, assim como salientou sua satisfação com os resultados da obra anterior “O Lírio Partido”. Consciente de estar na presença da história viva, pulsando a poucos passos de distância, eu procuro uma forma de atrair a atenção deles e conseguir estabelecer o contato. No exato momento em que intencionava abrir a boca e chamar Harry pelo nome, uma mão suave e enluvada toca meu ombro. Era Mary Pickford, que me estendia a cigarrilha aguardando que eu a acendesse.

Continua...

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