Como compreender aquela sensação que nos atinge segundos
após o despertar de um sonho agradável? Aquele breve momento em que nos vemos
obrigados a nos despedir de pessoas e situações que pareciam tão reais, mesmo
após tentarmos fechar os olhos por repetidas vezes, na desesperada tentativa de
retornar a um mundo que parecia nos pertencer. São tantos personagens
interessantes que encontrei nestas intensas aventuras oníricas, estranhos com
quem compartilhei sorrisos e lágrimas. Talvez por ter sido sempre um apaixonado
pela Sétima Arte, os sonhos mais emocionantes envolvem perseguições audaciosas
por locais exóticos, salvamentos heroicos de última hora ou divertidos
encontros com alguns de meus ídolos, como as alegres conversas com Woody Allen,
uma inesquecível sessão de cinema ao lado de Chaplin e Charlton Heston, que
tentou durante uma madrugada inteira me ensinar a conduzir uma quadriga romana,
com relativo sucesso.
Numa dessas horas mágicas, quando sonho em estado lúcido,
caminho lentamente pela Rua das Flores na Praça Sáenz Peña (RJ - Tijuca),
admirando os pôsteres dos filmes em exibição no longo muro externo, parando em
frente ao belo “Cine Carioca”. Exatamente como fazia quando criança, eu me
posiciono em um lugar imaginário numa fila que simplesmente aparece em minha
frente. Escuto as conversas animadas dos pais, enquanto as crianças ficam
perguntando insistentemente pela hora, antecipando com ansiedade o início do
filme. Sorrio enquanto me agarro ao momento, tentando não me perturbar com o
cenário que se modifica abruptamente, com chuvas torrenciais e desfiladeiros
que procuram me alertar da artificialidade daquele momento. Não olho para o
relógio, com medo da movimentação irregular do ponteiro me trazer de volta para
a cama. Puxo papo com o casal que aguarda na fila, mas despisto-os ao perceber
que aquela interação estava me encaminhando para outro ponto no sonho. Preciso
saber qual filme me aguarda naquela sessão. Seria um título inventado? Teria
ele algum significado misterioso? Tento afastar estas questões da mente, já que
qualquer tentativa de racionalidade determinaria o fim daquela doce ilusão.
Começo a sentir o aroma da pipoca no carrinho do vendedor.
Descubro atrás dele uma banca que vendia dinossauros de plástico, exatamente
como naquela tarde distante em que estava lá para assistir a primeira sessão de
“Jurassic Park”. Olho para minhas mãos e me surpreendo emocionado ao
encontrar-me folheando um gibi do Super-Homem que eu adorava, cujas páginas eu
acreditei ter esquecido após tantos anos, mas lá estavam como as deixei
outrora, numa caixa de papelão esquecida no tempo, no triste momento em que
tive que me desfazer de grande parte de minha coleção em meados da década de
90. Passo pelo belo saguão e fico feliz ao constatar que o mármore continua
brilhando como sempre. Será que aproveito a situação e corro por aquela luxuosa
escadaria, como desejava na infância? Temendo que ela me conduzisse (como de
costume nos sonhos) para outro ambiente completamente diferente, prefiro me
manter seguindo a fila que adentra a sala escura. Como era reconfortante rever
aquele tecido vermelho que escondia a grande tela, enquanto procurava uma
poltrona vazia na última fileira. Ainda não sabia qual filme iria ser exibido,
mas desejava apenas que eu conseguisse me manter naquele local por mais algum
tempo. O gibi pousado em meus joelhos, o som do projetor trabalhando, até que
algo maravilhoso e inesperado ocorreu: em minha língua, sentia o sabor das
deliciosas “Balas Boneco”, que sempre me acompanhavam nestas sessões. Hoje
existem somente em minha memória.
Começo a sentir que fachos de luz invadem a sala escura, que
parece cada vez menor. O zumbido característico que prenuncia o inevitável
despertar. Um tema musical começa a tocar no filme que se inicia. Reconheço a
sensibilidade de Ennio Morricone. Estava aguardando para assistir “Cinema
Paradiso”, enquanto o ambiente se modificava rapidamente. Eu me agarrava na
poltrona e fixava meu olhar na grande tela, enquanto as buzinas dos carros em
minha movimentada rua aumentavam de volume. Quando dei por mim, estava
admirando o teto do meu quarto. Fechei os olhos e tentei dormir novamente,
torcendo para retornar ao mesmo ponto. Era inútil o esforço. Mais tarde,
naquele mesmo dia, passei em frente à Rua das Flores, em direção ao Shopping
Center, mas com melancolia constatei a triste realidade: o “Cine Carioca” não
existia mais. Em seu lugar, uma Igreja Evangélica. No espaço onde eram exibidos
os nomes dos artistas, uma placa com erros ortográficos informava uma medíocre
“Sessão de Descarrego”. Segui em frente, tentando ignorar a tristeza, mas ela
me acompanhou durante o restante do trajeto. Naquela noite eu fui dormir
pensando nas sensações experimentadas no sonho, mas miseravelmente não obtive
êxito em me transportar para aquele local novamente. A vida é um constante ato
de desapegar-se de tudo que mais amamos, mas não é fácil nos acostumarmos com
esse terrível hábito. O lado bom disso tudo é que, enquanto conseguirmos reter
o carinho que sentimos por aquela memória, o sonho se manterá vivo. Cada
adormecer pode ser o prenúncio de um aguardado reencontro...
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