Após um dia inesquecível ao lado de Gaston e Georges Méliès,
eu retorno no Rolls Royce para minha realidade, que a meus olhos já
aparenta ser um tanto quanto comum e desinteressante. Na viagem, que dura cerca
de dez minutos, eu noto a presença de um passageiro estranho ao meu lado,
magérrimo e aparentando estar aguardando a morte a qualquer momento, todo
vestido de preto e com enormes costeletas, que unidas a um bigode muito bem
tratado, dava a ele uma aparência quase irreal, como se tivesse pulado
diretamente das páginas dos livros de bolso de faroeste que eu lia quando
criança. Ele permanece calado durante grande parte do trajeto, porém, eu percebo que ele parece buscar minha atenção. Simpático, eu me apresento e tento
iniciar uma conversa. O homem sorri e me deixa em estado de choque ao dizer em
um português perfeito:
- Viajante do tempo, você já está preparado para voltar?
Ao mesmo tempo feliz, por não precisar expressar-me em uma
língua estrangeira, mas, preocupado por não saber exatamente que resposta dar
a uma pergunta tão enigmática, eu penso durante alguns segundos, que pareceram horas, e, com um sorriso no rosto, respondi:
- Sinceramente, eu gostaria de passar todos os dias que me
restam compartilhando desses momentos, sendo testemunha ocular do nascimento
desta arte. - Retribuindo com o mesmo sorriso, porém , melancólico, o homem põe a mão enluvada no meu ombro e informa que minha resistência física não sobrepuja
meu apaixonado desejo. Descubro então que, a cada inversão do tempo, meu corpo
sofre danos celulares irreparáveis. A porta do carro se abre e meu companheiro
desce com muita dificuldade. Antes de virar-se e seguir seu caminho, olha
languidamente para dentro de meus olhos e, por um breve segundo, eu tenho a
nítida sensação de estar mirando-me em um espelho. A porta se fecha e os sons
exteriores e familiares me dizem que meu destino se aproxima. Sozinho, choro copiosamente, enquanto os acalentadores raios da manhã adentram o
veículo.
***
Eu passo o dia inteiro procurando organizar minha mente e
entender o que está acontecendo. Valeria a pena ter uma vida curta, em que eu tivesse a oportunidade de passear através de qualquer capítulo da
história humana, aprendendo sobre outras culturas e conhecendo pessoas que me inspiraram durante minha existência? Sentir o sabor amargo da imortalidade? Não,
eu não poderia deixar meus familiares e amigos. Eu tenho um trabalho a
realizar e meu patrão me aguarda com horário marcado todos os dias. Talvez
essa vida de viagens temporais possa me fazer resistir mais alguns anos, porém , o
envelhecimento precoce de meu corpo iria chamar a atenção de todos,
causando questionamentos que eu honestamente não saberia responder
adequadamente. Uma longa existência comum ou mais alguns anos de pura e
inacreditável aventura?
***
Decidido a embarcar no veículo naquela noite e novamente
cruzar as fronteiras do humanamente possível, eu deixo todos os questionamentos
para o dia seguinte. Como uma droga, aquela excitação que antecede a chegada do Rolls
Royce me viciou e eu sinto a necessidade de seguir em frente. Sabendo
não ser aconselhável exagerar, decido então selecionar momentos
específicos a serem visitados, esperando que essa medida me faça resistir por
mais tempo. Meu próximo destino é reencontrar meu amigo Georges Méliès na
ocasião da estreia de sua obra mais conhecida: “Viagem à Lua” (Le Voyage dans
La Lune), no primeiro dia de Setembro de 1902, na França. O onírico veículo
posiciona-se à minha frente e me convida a entrar. Eu penso por um breve segundo
e, obstinado, sigo minha jornada.
Continua...
Continua...
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