A Fantástica Fábrica de Chocolate (Willy Wonka and The
Chocolate Factory – 1971)
Tradição do “Cinema em Casa” no SBT em épocas natalinas, eu
me lembro de assisti-lo até na dominical “Sessão das Dez”, que as crianças da
época consideravam um desafio a ser batido, os pais nunca deixavam a gente prestigiar a sessão, pois quase sempre passavam pornochanchadas ou filmes bastante
violentos. Como o filme era reexibido no mesmo dia em sequência, saudade dessa
ingenuidade televisiva, o desafio supremo era manter-se acordado até o final
da segunda exibição e ainda conseguir ir para a escola na manhã seguinte.
Claro
que para cada “Willy Wonka”, haviam dez similares de “Histórias que Nossas Babás Não Contavam” , inesquecível Clara das Neves de Adele Fátima, o que
justificava o temor dos pais, mas pouco nos importávamos em cometer essa
transgressão. Recordo-me claramente da sensação ao descobrir que
Gene Wilder estava na telinha, em como eu sentia fome sempre que o via caminhar
dentro de sua fábrica de chocolates. Era lei sair da frente da televisão e
correr, com pernas menores, o que fazia parecer uma distância enorme entre o quarto
e a cozinha, até a geladeira, pegar um copo de refrigerante e umas barras
daquele chocolate “Surpresa”, que eu achava muito
parecido com os do filme, voltar voando para o quarto e torcer, que linda
ingenuidade, para que eu encontrasse o bilhete dourado dentro da barra
de chocolate. Que frustração gostosa, sempre que encontrava aquelas cartelas com
fotos de animais, somente para jogá-los atrás da cama e devorar o chocolate.
A mãe do Charlie cantava aquela linda canção, na bela
dublagem da Herbert Richers, sobre perseverar no sonho, enquanto ele caminhava triste e solitário
pelas ruas. Tudo o que ele queria era aquele bilhete dourado, que simbolizava
para ele um mundo de esperança, o doce pouco importava. Ele o repartia
entre seus familiares, que sofriam mais do que ele, pois eles sabiam o quanto o
menino merecia vivenciar aquele sonho. “Algum dia, doce como uma canção, o seu
dia de sorte irá chegar... Mas você precisa manter-se forte até lá, pois no
topo é o seu lugar... Sinta-se feliz simplesmente por ser quem és”. Lágrimas
rolam por meu rosto até hoje quando escuto essa canção. Essa ternura que o
diretor Tim Burton soterrou em seu desfile de plumas e paetês, continua
eficiente mesmo nos cínicos dias em que vivemos. Qual criança não persegue um
sonho? Antes de deleitar-se no hipócrita mundo adulto e deixar de acreditar em
contos de fada, para entregar-se a crenças muito mais ilusórias e menos
recompensadoras.
Não existe vida que se compare à pura imaginação, liberdade
genuína que nos inspira no diário exercício de viver. Wonka estava longe de ser
um professor convencional, com seus métodos pouco ortodoxos, mas carregava em
si uma chama que parece ter se extinguido no mundo. Valorizar as
boas índoles, a nobreza de caráter. O que mais vemos hoje nesse mundo de
valores invertidos é o coitadismo e seu extremo oposto: a malandragem.
Premia-se aquele que mais puxou tapetes para conquistar seu objetivo, nivelando por baixo,
aplaude-se uma sociedade de aparências, onde tudo é estrategicamente forjado. A
inocência e a pureza são vistos como falta de malandragem, você tem que saber
jogar o jogo, não importa quão falido ele seja, mesmo que sua integridade seja
destruída nesse processo. Hoje em dia, o pequeno Charlie receberia ao final do
filme um tapinha nas costas e um sorriso debochado, seguido de algum discurso
sobre como ele deveria ter ficado mais esperto nesse mundo globalizado.
Tragam-me de volta aquelas barras de chocolate “Surpresa” e a crença em uma sociedade mais justa. Façam-me acreditar novamente em Willy Wonka.
Enquanto finalizo esse texto, sou surpreendido por um brilho
dourado que se insinua por baixo da minha cama. Será que deixei escapar algo
dentre aquelas cartelas de outrora?
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