Introdução
Sempre fui fascinado pelas histórias do velho oeste. Gostava
de ler aqueles livros de bolso obscuros (das séries “Chumbo Quente”, “Oeste
Beijo e Bala” e “Oeste Brutal”, entre outros) que comprava na banca de jornal,
sempre que meu pai pedia que eu o acompanhasse até a feira. Claro que o
chantageava emocionalmente para que parássemos também na videolocadora antes de
voltarmos para casa, mas normalmente já estaria a folhear pelo caminho a nova
aquisição. Adorava também as revistas em quadrinho do “Tenente Blueberry”, mas
foram as do “Tex” que realmente me marcaram. Recordo até hoje de duas histórias
dele que relia semanalmente, chamadas: “A Noite dos Assassinos” e “El Muerto”.
Quando ainda estava iniciando em meu vício cinéfilo (devia ter por volta de
cinco anos), lembro-me de ter assistido “Silverado” e “Django” (gravados por
meu pai em uma mesma fita VHS) em uma tarde chuvosa, munido com um copo de
Coca-Cola e alguns pacotinhos de waffles do Fofão (que nem existem mais, porém
recordo-me do sabor). Aliás, minhas melhores recordações da infância são de
momentos como este, onde o futuro era algo tão distante que eu achava que iria
me cansar de esperar até fazer vinte e cinco anos. Hoje, com vinte e oito,
daria tudo para sentar num sofá, com um copo de Coca-Cola e aqueles pacotinhos
de biscoito cujo sabor vive apenas em minha memória, preocupando-me apenas de
não esquecer-me de rebobinar a fita ao terminar de assistir.
Era uma Vez no Oeste (Once Upon a Time in The West – 1968)
A vastidão do cenário contrasta com a simplicidade dos
planos iniciais, focando-se na troca de olhares entre três homens condenados.
Viver no velho oeste era deparar-se com sua morte todos os dias, o que fazia
com que eles prezassem o único valor em sua existência: a honra. Nenhum deles
sonhava em aposentar-se e passar dias pacíficos deitados em redes, mas ansiavam
uma morte digna (“o homem livre nunca morre” Keoma – 1976) pelas mãos de
um pistoleiro nobre, que não o acertasse pelas costas. O diretor Sergio Leone
elabora sua obra como uma solene dança da morte, onde todos os personagens
sabem que não chegarão vivos ao final, com exceção da vivida por Claudia
Cardinale, que simboliza a “mãe” da modernidade. Diferente de muitos no gênero,
em “Era uma Vez no Oeste” não se glorifica o fim de uma era. A linda trilha
sonora de Ennio Morricone ressalta o pungente senso de nostalgia. Fica clara a
necessidade de deixarmos para trás aquela realidade e “entrarmos no trem” que
nos guiará ao mundo de hoje.
Neste cerimonial fúnebre, temos o personagem vivido por
Charles Bronson como um elemento enigmático, destinado a trazer de volta àquele
terreno inóspito (período de transição) a justiça da época de ouro do Oeste.
Sua motivação é pessoal, porém a forma como seu personagem transita na trama
simboliza um tipo clássico no gênero: o homem que vive à margem da sociedade,
com total liberdade para se adequar ou não à modernidade. Escolhendo adaptar-se
à selvageria, pode procurar “domá-la”, porém assim que se estabelece um controle
ou temporária paz, ele torna-se inadequado e desconfortável, o que o faz montar
em seu cavalo e sumir no horizonte (quando não morre dignamente em duelo). “Shane”
(Alan Ladd em “Os Brutos Também Amam”), “Ethan Edwards” (John Wayne em “Rastros
de Ódio”) e o “Homem sem Nome” (Clint Eastwood na “Trilogia dos Dólares”)
também representam esta simbologia. Bronson chega de trem, sem carregar quase
nada a não ser sua gaita (que descobrimos ao final ser de extrema importância),
demonstrando uma sofisticação (sutil) que contrasta com a daquele povo. Em um
curto diálogo com o personagem de Henry Fonda, ele chega a citar que seu
inimigo é de uma “raça antiga” (ultrapassada). Seu expressivo silêncio aliado a
estas características chegam a dar a impressão de que seu personagem não vive
naquele mundo, quase que um elemento sobrenatural destinado unicamente a dar
fim àquela sociedade, trazer o crepúsculo ao Velho Oeste. Cardinale é a “Eva”
de um novo mundo. Leone explicita visualmente isto logo em sua primeira aparição,
quando nos mostra a dimensão (com uma tomada de grua) da estação de trem,
revelando uma cidade ainda em construção aos primeiros raios de sol, como se a
chegada de sua personagem (Jill) tivesse iluminado aquele local.
O clímax (que não revelarei em respeito aos que não
assistiram) é de uma beleza épica que arrepia até o mais moderado dos homens.
Os envolvidos buscam a redenção, mesmo que esta seja mediante uma morte digna
ou a simples constatação de que são figuras dispensáveis, operando em prol de um
contexto maior.
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