Tim Burton não é um diretor perfeito, mas quando inspirado
pelas motivações certas, traduz com grande sensibilidade os valores mais nobres
da condição humana envoltos em deliciosa fantasia. Como ocorre em “Peixe
Grande” (Big Fish - 2003). A melhor maneira de se compreender as atitudes de alguém (suas
motivações e sonhos) é estabelecendo um muro que divida o que a pessoa
acredita ser e sua real personalidade. Suas fantasias e desejos correspondem a
uma imagem criada (por traumas, vitórias e derrotas). Uma infância de
miséria e fome encaminhará a uma vida adulta em que o desejo por uma mesa farta
seja prioridade. As fantasias de uma pessoa não mentem, expõem cruelmente
detalhes que aos olhos treinados tornam-se páginas reveladoras em um livro
aberto. O filho do protagonista não se importava em
decifrar os segredos contidos no livro aberto que era seu pai. Jovem
ambicioso, preocupado demais com sua vida profissional, sem paciência alguma
com aquele nobre senhor e suas histórias repetidas.
A perspectiva da morte faz com que o jovem busque conhecer
aquela incógnita falastrona, que sempre o deixava envergonhado em suas festas com seus arroubos criativos. Angustiado com a recusa do pai em se mediocrizar,
tornar-se comum, o seu filho então decide conduzir uma pequena investigação, que
acaba levando-o a constatar que somente a fantasia, o lírico, realmente
satisfaz de forma plena. Como explicitado no diálogo entre o jovem e o médico
da família, que pacientemente conta sobre o dia de seu nascimento. Havia
sido uma manhã como qualquer outra, bastante diferente da forma fantástica como
seu pai havia lhe contado sua vida inteira. Uma das perguntas que o filme nos
faz é: Existe algo de errado em viver uma fantasia?
Somos escravos da regularidade da natureza. O sol
impreterivelmente nasce e some no horizonte, a chuva eventualmente molha nossas
cabeças e as flores se guiam em direção à luz solar. Dormimos e despertamos
tentando diariamente encontrar razões para que nossa existência continue a nos
surpreender. Edward Bloom (Albert Finney e Ewan McGregor) decidiu bem cedo na
vida não se deixar moldar nas fôrmas dos outros. Por acreditar ser mais do que
era, tornou-se maior, confiante e decidido a livrar aqueles que se relacionavam
com ele desta prisão torturante chamada vida real. O peixe se molda ao tamanho
do aquário em que é colocado, portanto ele procuraria reservatórios mais
ambiciosos. O simples ato natural de crescer, para ele, seria visto como uma
constatação de sua nova condição exploratória. Sua pequena cidade não o atrapalhava, mas também não o incitava a evoluir. Como peixe, nadava em um
pacífico lago de água parada, ansiando uma correnteza.
Burton transforma o lúdico em palpável, imergindo no subconsciente de seu
protagonista e nos apresentando todos os elementos (avatares) de seus sonhos.
Cada personagem existe por uma razão, exemplificando alguma passagem de sua
vida real, como totens simbólicos de sua psique. Na cidade chamada Spectre (espectro),
encontramos variados momentos da vida do protagonista encapsulados, como o
vislumbre de sua primeira paixão (a garota do rio). Todos aqueles que cruzam o caminho de Bloom, tem suas vidas
modificadas de alguma forma positiva. “Não existe um rosto triste, todos estão
muito felizes”, como é dito por seu filho em um dos momentos mais emocionantes.
Esta é a essência de “Peixe Grande”, a sua grande mensagem: Sejam maiores que a
vida e busquem sempre o fantástico e o impossível, deixando seus sapatos em Spectre.
O verdadeiro alienado é aquele que realmente acredita que ser humano é somente
discutir política, “esquerda” e “direita”, enquanto nos deparamos com
impossíveis possibilidades minuto a minuto. Sabem aquele conselho que dita
para serem “pés no chão”? Sigam-no, mas imaginem-se no incerto solo lunar e
sem equipamentos. Quem sabe, enquanto passeiam por lá, não encontram algum
gentil gigante ou uma marciana, que irão habitar nos futuros sonhos de seus
filhos e netos, moldando-lhes o caráter?
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