quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Tesouros da Sétima Arte - "Na Noite do Passado" e "O Enigma de Kaspar Hauser"


Na Noite do Passado (Random Harvest – 1942)
A experiência de rever este filme depois de muitos anos, somente me fez admirar ainda mais os méritos da requintada produção. Mesmo tendo feito enorme sucesso em sua época (um dos maiores sucessos da MGM), hoje em dia quase não é citado entre cinéfilos e críticos. Normalmente recomendava-o para todas as adolescentes fãs de Nicholas Sparks e seu “Diário de uma Paixão”, pois trata de um tema similar: o sofrimento resignado daquele que percebe nos olhos de quem ama a sombra amarga do esquecimento. 

O desmemoriado veterano da Primeira Guerra Mundial, vivido brilhantemente por Ronald Colman (indicado ao Oscar por sua interpretação), aproveita o descuido de um funcionário do asilo e escapa, buscando o abraço da sociedade. A jovem atriz vivida pela bela Greer Garson apaixona-se à primeira vista pelo estranho de olhar distante, que a tudo vislumbra com a pureza de uma criança, acostumando-se com as cores do mundo. Casam-se e iniciam uma família, porém um acidente de trânsito irá desferir um golpe fatal no relacionamento. A mesma ausência de memória que os favoreceu em seu primeiro encontro, agora irá separá-los.

A beleza da obra do diretor Mervyn LeRoy consiste na atenção nos pequenos detalhes, como a utilização do balé de Tchaikovsky: “O Lago dos Cisnes” ao enfocar a dualidade na relação posterior do casal. O esforço da jovem em reconquistar aquele amor esquecido, sua devoção e força interior (expressada de forma primorosa no olhar da atriz em cada cena) inabalável, uma esperança que a guiará por vários anos. A trama é adaptada do livro de James Hilton (de “Horizonte Perdido”) com grande liberdade, porém encontrando uma forma eficiente de traduzir cinematograficamente as reviravoltas literárias. Vale a pena assisti-lo pela primeira vez sabendo o mínimo possível de sua trama...


O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder für sich und Gott gegen Alle – 1974)
O título original do filme: “Cada um por si e Deus contra todos” exprime com exatidão a mensagem desta obra sensacional do alemão Werner Herzog. Ele utiliza a história real do jovem Kaspar Hauser, que durante grande parte de sua vida foi mantido em um cativeiro, sem nenhum contato com a civilização. Ele não sabia andar ou se comunicar, tampouco entendia que havia outros seres como ele. Como trocavam sua comida durante seu sono, ele acreditava que sua alimentação aparecia como que por mágica, sempre após ele fechar os olhos. Seu único companheiro era um pequeno cavalo de madeira. Sua vida muda quando um homem adentra sua prisão e o entrega de volta à sociedade, deixando-o de pé no meio de uma praça na cidade de Hamburgo. Munido apenas de uma carta e um livro de orações, o jovem vislumbra pela primeira vez o mundo.

O diretor escolheu Bruno S. para viver o jovem. Ele havia passado sua vida inteira em instituições para doentes mentais e nunca havia atuado. Seus olhos sempre distantes e assustados, como se vissem o mundo pela primeira vez. O filme nos questiona sobre o que consideramos ser normal, dentro da estrutura de uma sociedade contraditória, que não sabe como reagir ao entrar em contato com um homem puro, sem cultura e regras a seguir. Os religiosos se revoltam, já que ele resiste à aceitação do mistério da fé. Ele desconhece a ideia de um Deus como força superior e debate questões de lógica com um professor.

Somos brindados com várias cenas brilhantes e com uma história inesquecível. Meu filme favorito de Herzog e uma das melhores obras do cinema alemão. 

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