Na Noite do Passado (Random Harvest – 1942)
A experiência de rever este filme depois de muitos anos,
somente me fez admirar ainda mais os méritos da requintada produção. Mesmo
tendo feito enorme sucesso em sua época (um dos maiores sucessos da MGM), hoje
em dia quase não é citado entre cinéfilos e críticos. Normalmente recomendava-o
para todas as adolescentes fãs de Nicholas Sparks e seu “Diário de uma Paixão”,
pois trata de um tema similar: o sofrimento resignado daquele que percebe nos
olhos de quem ama a sombra amarga do esquecimento.
O desmemoriado veterano da
Primeira Guerra Mundial, vivido brilhantemente por Ronald Colman (indicado ao
Oscar por sua interpretação), aproveita o descuido de um funcionário do asilo e
escapa, buscando o abraço da sociedade. A jovem atriz vivida pela bela Greer
Garson apaixona-se à primeira vista pelo estranho de olhar distante, que a tudo
vislumbra com a pureza de uma criança, acostumando-se com as cores do mundo.
Casam-se e iniciam uma família, porém um acidente de trânsito irá desferir um
golpe fatal no relacionamento. A mesma ausência de memória que os favoreceu em
seu primeiro encontro, agora irá separá-los.
A beleza da obra do diretor Mervyn LeRoy consiste na atenção
nos pequenos detalhes, como a utilização do balé de Tchaikovsky: “O Lago dos
Cisnes” ao enfocar a dualidade na relação posterior do casal. O esforço da
jovem em reconquistar aquele amor esquecido, sua devoção e força interior (expressada
de forma primorosa no olhar da atriz em cada cena) inabalável, uma esperança
que a guiará por vários anos. A trama é adaptada do livro de James Hilton (de
“Horizonte Perdido”) com grande liberdade, porém encontrando uma forma
eficiente de traduzir cinematograficamente as reviravoltas
literárias. Vale a pena assisti-lo pela primeira vez sabendo o mínimo
possível de sua trama...
O Enigma de Kaspar Hauser (Jeder für sich und Gott gegen Alle – 1974)
O título original do filme: “Cada um por si e Deus contra
todos” exprime com exatidão a mensagem desta obra sensacional do alemão Werner
Herzog. Ele utiliza a história real do jovem Kaspar Hauser, que durante grande
parte de sua vida foi mantido em um cativeiro, sem nenhum contato com a
civilização. Ele não sabia andar ou se comunicar, tampouco entendia que havia
outros seres como ele. Como trocavam sua comida durante seu sono, ele acreditava
que sua alimentação aparecia como que por mágica, sempre após ele fechar os
olhos. Seu único companheiro era um pequeno cavalo de madeira. Sua vida muda
quando um homem adentra sua prisão e o entrega de volta à sociedade, deixando-o
de pé no meio de uma praça na cidade de Hamburgo. Munido apenas de uma carta e
um livro de orações, o jovem vislumbra pela primeira vez o mundo.
O diretor escolheu Bruno S. para viver o jovem. Ele havia
passado sua vida inteira em instituições para doentes mentais e nunca havia atuado.
Seus olhos sempre distantes e assustados, como se vissem o mundo pela primeira
vez. O filme nos questiona sobre o que consideramos ser normal,
dentro da estrutura de uma sociedade contraditória, que não sabe como reagir ao
entrar em contato com um homem puro, sem cultura e regras a seguir. Os
religiosos se revoltam, já que ele resiste à aceitação do mistério da fé. Ele
desconhece a ideia de um Deus como força superior e debate questões de lógica
com um professor.
Somos brindados com várias cenas brilhantes e com uma
história inesquecível. Meu filme favorito de Herzog e uma das melhores obras do
cinema alemão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário