A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi - 2001)
Impossível não compararmos a clássica história de Lewis
Carrol com esta jóia de Miyazaki. Tanto “Alice” quanto “Chihiro” vivem em um
mundo em que o real e o fantástico andam de mãos dadas, limitados apenas pela
imaginação da protagonista. A meu ver, o roteiro do mestre japonês consegue, em
sua simplicidade, superar “Alice no País das Maravilhas”, “Alice no País dos
Espelhos” e qualquer outra obra similar a estes conceitos.
A jovem japonesa se sente entediada no banco de trás do
carro de seus pais, no que lhe parece uma interminável viagem. O mundo que ela
vislumbra pela janela é desinteressante, assim como o falatório de seus pais,
que lhe parece vazio. Sua mãe afirma que se mudar para outra cidade é uma
aventura divertida, porém os olhos tristes da menina residem ainda em sua velha
escola, seus amigos, laços que se desfazem à velocidade do vento que atravessa
a janela do carro e perturba seu cabelo.
O momento em que a fantasia se funde à realidade ocorre de
maneira semelhante no conto de Carrol, quando Alice segue o coelho e adentra em
sua toca. Chihiro e seus pais descobrem o que acreditam ser um parque de
diversões abandonado, quando procuravam um atalho na estrada. As duas
personagens encontram de forma inusitada um “gatilho” que desperta nelas a
melhor fuga para seus problemas: um mundo paralelo, que reflete em lindas
metáforas todos os estágios da vida, onde as jovens evoluem enfrentando
obstáculos aparentemente impossíveis. Chihiro inicia o filme como uma garota
ingênua, medrosa e mimada, tornando-se ao final uma mulher madura e valorosa.
Miyazaki ainda encontra tempo em sua obra para incutir críticas ao capitalismo,
uma sociedade que parece visar apenas o “ter”, não o “ser”.
Com tantas animações que parecem subestimar a inteligência e
sensibilidade das crianças, mostrar a seus filhos obras como as de Miyazaki,
incentivar neles o “ato de pescar”, ao invés de lhes entregar o “peixe já
mastigado” de “Shrek´s” e tantos outros similares, pode ser um presente
inestimável e de efeito vitalício.
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