Akira Kurosawa é
indiscutivelmente o nome mais importante no cinema asiático, cuja influência
atravessou suas próprias fronteiras e tradições, levando consigo sua filosofia
de vida e experiências pessoais. Influenciado por seu pai desde jovem a
apreciar o cinema ocidental, o menino incorporaria em sua arte vários elementos
das produções americanas. Durante muitos anos foi visto em seu próprio país
como um diretor vendido, pois realizava filmes que se afastavam aparentemente
das obras de seus compatriotas. Não se moviam lentamente como as obras de Kenji
Mizoguchi e nem se levavam tão a sério como as experiências de Yasujiro Ozu,
eram de apelo popular e conseguiam ter suas mensagens transmitidas/traduzidas
facilmente para todos os continentes.
Nenhuma de suas mensagens foi
mais bela que a contada em “Viver” (Ikiru – 1952), onde o idoso personagem
vivido brilhantemente por Takashi Shimura enfrenta no crepúsculo de sua vida, o
maior dos desafios! Vítima de um câncer, ele descobre ter desperdiçado sua
existência sendo um funcionário modelo, sem faltas, sem momentos de lazer,
plenamente dedicado a uma função burocrática que só fazia bem a seu empregador.
Sabendo ter pouco tempo de vida, decide deixar um legado eterno (não somente
tangível, na forma de uma praça, como moral, incentivando seus colegas a
seguirem seu exemplo).
Sua obra mais famosa foi “Os
Sete Samurais” (Sichinin no Samurai -1954), um conto sobre bravura e honra
passado no século dezesseis, mas cujos temas poderiam ser empregados de forma
atemporal. Até mesmo Hollywood utilizou sua premissa para o faroeste “Sete Homens
e um Destino”. Pobres lavradores sofrem nas mãos de bandidos que saqueiam sua
produção e levam suas mulheres, até o momento em que decidem reagir à crescente
onda de ataques. Sem saberem se defender e com apenas o fruto de suas lavouras
como moeda de troca, procuram a ajuda de Samurais que possam lhes ensinar as
artes da guerra. Kurosawa demonstra sua universalidade narrativa ao compor seus
sete guerreiros, cada um com uma habilidade especial, seja a excelência no
manejo da espada, coragem, estratégia e humor, representando desta forma cada
faceta do ser humano.
“Céu e Inferno” (Tengoku to
jigoku – 1963) é um filme subestimado (acho-o superior ao mais celebrado
“Rashomon”) e pouco conhecido na filmografia de Kurosawa. Talvez seja o que
mais diretamente demonstre suas influências ocidentais. Sua trama evoca um
grande dilema moral: um bem sucedido executivo (Tôshiro Mifune) se torna vítima
de uma extorsão, quando por engano sequestram o filho de um de seus vários
funcionários, achando ser o seu herdeiro. O pagamento pedido pelos
sequestradores é a exata soma que salvaria sua empresa da falência. O suspense
é intenso, porém trilha o caminho oposto de thrillers similares
americanos, pois nas mãos de Kurosawa a obra se torna uma reflexão profunda
sobre a honra e a decência.
No belíssimo “Dersu Uzala” (1975),
Kurosawa trata de um tema muito mais profundo: a ligação do homem com a
natureza. O filme conta a história de um explorador do exército russo que é
resgatado na Sibéria por um simples caçador Goldi chamado Dersu Uzala. A
parceria e ajuda como guia se desenvolve e torna-se uma profunda amizade entre
dois homens tão distintos quanto o sol e a lua, porém tal qual eles,
indissociáveis! A humildade e sabedoria do velho caçador captada com maestria
pela direção segura e sensível de Kurosawa. Dentre as cenas inesquecíveis,
destaco uma na qual os dois amigos estão em local aberto e são atingidos por
uma forte nevasca. O capitão russo se abate e acredita numa morte certa,
enquanto o pequeno e aparentemente frágil Dersu o convence a recolher os
arbustos da estepe. Extremamente cansado, o capitão faz o que lhe foi pedido,
mesmo sem entender a razão. Qual não é sua surpresa ao perceber que Dersu havia
montado uma pequena cabana cavada na terra? A pureza e simplicidade do camponês
haviam ensinado uma enorme lição ao experiente capitão.
Somente com estas obras citadas,
Kurosawa já poderia descansar sob a sombra de sua contribuição inestimável ao
mundo do cinema, no entanto ele ainda iria nos presentear com pelo menos mais duas
pérolas: “Ran” (1985) e “Sonhos” (Dreams – 1990). A
primeira, um fantástico épico baseado na obra de Shakespeare: “Rei Lear”. Já na
segunda, o mestre decidiu compartilhar suas experiências pessoais com seu
público, dando vida a uma obra dividida em capítulos, cada um representando um
sonho de Akira. Dentre estes, destaco o meu favorito, onde o fascínio pela obra
do pintor Vincent Van Gogh se faz presente de maneira emocionantemente bela. Um
homem que admira um quadro do pintor se vê, como que por encanto, levado para
dentro da obra do artista, tudo isso embalado pela nona sinfonia de Beethoven,
compondo um tipo de cinema que infelizmente se mostra raro.
Alguns críticos afirmam que o
cinema de Kenji Mizoguchi é para ser visto de joelhos em admiração, mas o de
Kurosawa gentilmente lhe convida para entrar e se aquecer do frio em uma
lareira nostálgica, uma obra acolhedora e vibrante.
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