terça-feira, 18 de março de 2014

Rompendo o Véu da Sociedade


Como sempre critico a homofobia e me posiciono fortemente contra o retrocesso promovido pela bancada evangélica na nossa política, recebo mensagens, até bastante respeitosas, questionando minha "opção sexual". Na lógica preconceituosa dessas pessoas, somente os homossexuais defendem os homossexuais. A triste realidade é que, basta uma busca rápida virtual, para captar mensagens de ódio contra os homossexuais. O anonimato facilita para que a ignorância seja expressa sem medo, enquanto disfarçada no dia a dia.

Na cultura brasileira o preconceito pode ser traçado desde a infância. Os pais contam piadas com "bichinhas" para o filho pequeno. O pré-adolescente acaba sendo levado a fugir de qualquer associação com aquele coleguinha que parece afeminado (muitas vezes, nem é homossexual). Com sorte, o rapaz busca informar-se, evoluindo seu intelecto e percebendo que a homossexualidade (assim como qualquer variação, bissexualidade, assexualidade etc.) não é sequer algo anormal. Ela é constatada em cerca de mil espécies animais. Também não é um fenômeno contemporâneo (acreditem, muitos pensam dessa forma: "na minha época não tinha tanto viado"), que o diga a poetisa Safo (nascida em 625 a.C, em Lesbos, na Grécia), que buscava inspiração em suas relações amorosas com as jovens gregas. Existem registros que nos remetem a 12.000 a.C, ainda na Era Paleolítica, em pinturas de caverna. Em muitas culturas, a homossexualidade era algo a ser admirado, como no Japão pré-moderno, onde era recomendado ao adolescente que tivesse relações sexuais com um experiente guerreiro samurai.

Grande parte da culpa pelo preconceito nos países latinos pode ser colocada nos ombros do Cristianismo, que condena a relação homoafetiva como sendo um pecado. O mesmo Cristianismo que historicamente reprime as mulheres, posicionando-as como submissas aos homens. As mulheres brasileiras que repreendem seus maridos em casa, que compram joias ou que acordam cedo para trabalhar, precisam saber que estão indo contra todos os ditames cristãos, sendo pecadoras do tipo mais execrável, que nunca irão para o "reino dos céus". Absurdo, certo? Pois é. Mas esse mesmo radicalismo, que com relação às mulheres foi convenientemente esquecido pelas religiosas, continua atuando fortemente contra os homossexuais.

A homossexualidade é uma característica genética. Já Freud, dizia que nascemos bissexuais e somos "conduzidos" à monossexualidade pelo desenvolvimento psicológico. Estudos continuam sendo realizados por cientistas do mundo todo. Com toda certeza não é uma opção. Você acorda e "fica" homossexual, para depois da janta escolher "ficar" heterossexual. Esse argumento tolo é utilizado por aqueles mais preconceituosos, por vezes escondendo uma arraigada negação (enrustidos) com uma obsessão temática. Quem, em uma sociedade ignorante e homofóbica, optaria conscientemente em ser o alvo de ofensas diárias? A homossexualidade não é uma doença, não pode ser "curada", "reorientada" ou "amenizada" com tratamentos psicológicos. A desestigmatização é a única ação que deve ser alimentada. O respeito e o entendimento sem dogmas religiosos.

Segue a longa resposta que sempre envio para aqueles que elegantemente questionam minha identidade sexual, os grosseiros eu nem respondo: "Sou destro. Escrevo com a mão direita, confortavelmente e com precisão. Não consigo discernir o momento na minha infância em que percebi ser destro. Escrever com a mão direita sempre foi algo natural. Sei que, caso precisasse, utilizaria a mão esquerda, mas teria que treinar bastante para que parecesse ser canhoto de nascimento. Entendo que a mesma dificuldade atingiria um canhoto que quisesse se passar por destro. Antigamente era considerado algo ruim ser canhoto, o que fazia com que os professores e pais prendessem as mãos das crianças, para forçá-las a escrever com a "mão certa", forçando-as violentamente contra sua natureza. Destros, canhotos e ambidestros são iguais perante a grandeza e a fragilidade de ser humano. Ser destro, canhoto ou ambidestro, não possui relação alguma com a índole e o caráter da pessoa. Mas como sei que busca uma resposta simples, vulgar: Sou heterossexual, sinto atração por mulheres". Normalmente não me respondem, mas provavelmente eles se preocuparam em ler apenas a linha final. Aqueles que se escravizam em seus preconceitos, não estão interessados em entender ou aceitar, apenas em enfileirar as vítimas em seu paredão de ódio.

Minha Vida em Cor-de-Rosa (Ma Vie en Rose - 1997)
Um ótimo filme que aborda o tema, que faço questão de recomendar: "Minha Vida em Cor-de-Rosa". A primeira sequência do filme já expõe o leitmotiv que conduz a sensível trama. Enquanto os pais de Jerome escondem ritualisticamente em seus uniformes diários a ausência do calor que outrora havia em seu relacionamento, os pais de Ludovic se entregam à vida naturalmente e com real paixão, com o diretor de arte expondo claramente o contraste na paleta de cores que emolduram as cenas. O primeiro momento em que realmente vemos o menino, somos levados a sentir o mesmo choque que seus pais, pois ele está usando o vestido de princesa de sua irmã. Seu pai, temeroso pelo julgamento cruel da sociedade, limita sua corajosa atitude a uma brincadeira inconsequente. Sua mãe corre para fazê-lo retirar com água fria a maquiagem de seu rosto. No rosto da criança, a apatia dos que sofrem diariamente com a ignorância daqueles que deveriam ser mais inteligentes, por terem mais experiência de vida.

Ludovic não sabe ainda que o ser humano é uma espécie muito pouco evoluída, escrava de crenças em seres imortais, anjos, demônios e feitos miraculosos, porém incapazes de simplesmente aceitar uma condição natural que compartilhamos com várias espécies (mais de 1.500, para ser mais exato) do reino animal: a homossexualidade. A religiosidade, sempre caracterizada pelo domínio do homem sobre a mulher, desde a lenda de Adão e Eva, vista como a causadora de todos os males, estabeleceu fortemente sua presença na sociedade, como uma triste mancha na História, formando gerações de machistas ignorantes e mulheres sexualmente reprimidas. A absurda noção do pecado, camuflando hipocritamente qualquer desejo sob um véu de pureza, que se rompe assim que o autoproclamado santo se tranca na solidão de seus pensamentos. A ilusão de que se alcança o divino pelo ato da castidade, ignorando que, caso exista, ele perceberia os instintos naturais que não se podem domar.

O diretor belga Alain Berliner, com o roteirista Chris Vander Stappen, demonstrou extrema coragem já em seu primeiro trabalho, evitando os estereótipos e focando-se na inteligente afirmação de que somos todos iguais, diferenciando-se de muitos outros projetos de temática similar, que equivocadamente, ainda que superficialmente bem-intencionados, deixam implícito que Deus é tão gentil que até permite homossexuais no quintal de seu paraíso. Ludovic queria apenas externar a autoimagem que o fazia se sentir confortável, algo desafiador em uma sociedade onde tantos utilizam máscaras diárias.

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