quarta-feira, 30 de novembro de 2016

"O Shaolin do Sertão", de Halder Gomes


O Shaolin do Sertão (2016)
Quando Halder Gomes lançou “Cine Holliúdy”, eu enxerguei o potencial não aproveitado, por mais que quisesse gostar do filme, algo em sua estrutura técnica não facilitava nesse sentido. A evolução em “O Shaolin do Sertão” é inegável, o tema abre mais possibilidades, o nível das atuações é melhor, mas alguns problemas ainda são claramente visíveis. O humor popular competente, com origem na tradição circense, remete aos filmes clássicos dos Trapalhões, o que torna a simbologia da simpática presença de Dedé Santana ainda mais forte. O roteiro de L.G. Bayão apenas peca na repetição exagerada de algumas situações cômicas, algo que poderia ser resolvido na sala de edição. O recurso da utilização de expressões do cearencês injeta identidade ao projeto, mas também soa forçado em algumas cenas, piadas que praticamente imploram pela risada do público, quando não há necessidade alguma, já que a trama é engraçada naturalmente.

O conceito de um jovem padeiro nordestino apaixonado por filmes de artes marciais que luta para ser reconhecido como um grande lutador é encantador, resgata a nostalgia do cinema lúdico dos tempos do VHS ao ser ambientado na década de oitenta, com a fotografia espertamente visualizando as sequências de sonho com imagens riscadas e ghosting, simulando a reprodução das fitas. E que tirada genial inserir o comediante e músico Falcão, uma das figuras mais exóticas do cenário popular nacional, como um trambiqueiro que finge ser um mestre shaolin. O ponto alto do filme é o treinamento para a grande luta, com a montagem respeitando a fórmula tradicional que Hollywood consagrou, mas subvertendo insanamente o conteúdo. Só as frases de sabedoria do mestre já são mais engraçadas que comédias inteiras que o cinema nacional despeja anualmente. Edmilson Filho domina as cenas de luta, mas consegue ser mais eficiente ainda nos momentos cômicos, um carisma poderoso que, em uma sequência hilária, alia a segurança técnica na exibição marcial com desenvoltos passos de forró. O menino Piolho, vivido por Igor Jansen, demonstra incrível timing nas piadas, um talento espontâneo, assim como a veterana Fafy Siqueira, que merecia mais espaço no cinema nacional. É uma pena que nossa indústria desperdice profissionais desse nível em produções fracamente roteirizadas e com curtíssimo prazo de validade na televisão.

O combate final é longo, dando espaço para que a técnica marcial coabite com o cativante humor circense, representado pelo juiz palhaço, vivido por Tirulipa. A edição poderia ser menos generosa nessa sequência, mas o resultado não prejudica a experiência. O carisma do protagonista já ganhou o público, algo que é muito difícil de encontrar em produções nacionais similares, normalmente defendidas por comediantes forçados que abusam de berros e dinamismo gestual, quando a genialidade reside na sutileza, na naturalidade transmitida em um texto de qualidade. 

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

"Snowden", de Oliver Stone


Snowden - Herói ou Traidor (Snowden – 2016)
Em seu primeiro projeto de ficção filmado com câmeras digitais, Oliver Stone entrega seu melhor trabalho desde “Assassinos por Natureza”, de 1994. O roteiro escrito com Kieran Fitzgerald, do excelente western “Dívida de Honra”, injeta referências da cultura pop que vão do anime “Ghost in The Shell”, que também lida com os questionamentos morais de soldados trabalhando para o governo, até o clássico “1984”, de George Orwell, uma obra que traça um paralelo perfeito com o caso abordado na trama.

O péssimo título nacional, sintomático do nível educacional de uma nação onde tudo precisa ser mastigado antes de ser disponibilizado para o público, propõe um julgamento que não é coerente à proposta do diretor. Edward Snowden fez algo espetacular, sacrificou a possibilidade de uma vida tranquila e financeiramente estável por não conseguir agir contra os seus princípios. Ao descobrir que a Agência de Segurança Nacional norte-americana estava conduzindo um monitoramento abusivo e invadindo a privacidade de pessoas comuns, rastreadas por ações banais em suas redes sociais, ou apenas por estarem relacionadas a alguém que, por exemplo, escreveu alguma palavra-chave suspeita numa ferramenta de busca, o rapaz sentiu que não conseguiria ficar em paz com sua consciência, ele expôs toda a verdade sobre os serviços de espionagem para o jornalista Glenn Greenwald, atitude que virou o mundo de cabeça pra baixo em 2013. O governo quer a cabeça dele, o que é compreensível, mas não há atitude mais heroica na história recente. Eu recomendo como impecável complemento o documentário “Citizenfour”, de Laura Poitras, que registra os encontros secretos entre Snowden, Greenwald e a diretora, momentos que são reencenados com elegância pelas lentes de Stone.

Joseph Gordon-Levitt realiza um trabalho assustadoramente competente, conseguindo captar com riqueza de nuances os trejeitos e a voz do protagonista, compondo uma caracterização tão fiel que, mais tarde, quando o próprio Snowden é mostrado, o espectador não sente qualquer abalo na imersão, o recurso potencializa o investimento emocional e não soa forçado. É curioso que seja mostrado em flashback o sofrimento do personagem ao ser afastado do exército, após um tolo acidente, como forma de estabelecer a motivação inicial do jovem, alguém que comprou o ilusório sonho americano e que enxergava os rituais militaristas como a mais digna representação de patriotismo. Em seu arco narrativo, ele vai de um ingênuo idealista fã da escritora Ayn Rand que se incomoda quando algum cidadão critica seu próprio país, até se tornar um pária tido por parte da opinião pública como um traidor da nação. E o roteiro dedica tempo generoso à relação romântica com a namorada, vivida por Shailene Woodley, o que pode frustrar quem procura algo mais focado nas questões políticas. A intenção clara é fazer com que o público se identifique com o protagonista, buscando entender o escopo brutal do sacrifício, o incômodo sentido ao perceber que a omissão é o pior crime que pode ser cometido. Como é salientado em uma das cenas mais impactantes, o que se pode esperar de dignitários que são capazes de qualquer coisa, até mesmo utilizar o conceito da ameaça terrorista em um povo já doutrinado diariamente pela cultura do medo a “deixar o dedo no gatilho”, como bem mostrou Michael Moore em seu documentário “Tiros em Columbine”, como atroz desculpa para operar total controle social? Como prever o que será feito por aqueles que não possuem escrúpulos?

É impressionante constatar que o material que era tido como ficção científica altamente engenhosa outrora, o Grande Irmão orwelliano, acabou se tornando uma preocupante realidade. 

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

"A Chegada", de Denis Villeneuve


A Chegada (Arrival – 2016)
“Story of your Life”, de Ted Chiang, lançado em 2002, é um dos melhores contos de ficção científica que já li, simples em sua estrutura em primeira pessoa, mas complexo nas reflexões que propõe, com um uso de linguística que remete às investigações filosóficas de Wittgenstein. Desde adolescente sou fascinado pelo gênero, colecionava o “Isaac Asimov Magazine”, editado no Brasil pela Record, no início da década de noventa. “Contato”, de Carl Sagan, é um dos meus livros favoritos. E nem vou me alongar mais abordando minha relação com o gênero no cinema. O que importa é ressaltar que eu não duvidava que a adaptação comandada por Denis Villeneuve fosse resultar em algo impactante, o canadense é um dos maiores diretores de sua geração, mas confesso que fui surpreendido pela fidelidade ao material original, apenas expandindo o relato intimista para um escopo global, e pela extrema sensibilidade com que ele conduziu a trama.

Ao ser convocada para tentar estabelecer contato com os visitantes alienígenas, a doutora em linguística, mostrada inicialmente como uma pessoa melancólica que optou pela solidão como fuga, por medo de sofrer, encontra motivação profissional e refúgio existencial. A complexidade na expressão dos alienígenas, como o kanji japonês, através de ideogramas ricos em significados, representa um desafio amedrontador, assim como a perspectiva de futuro da mãe que precisa educar pelo exemplo, encontrando o equilíbrio entre as aspirações que nutre pela filha e o choque irreversível de estar lidando com um ser estranho e que precisa firmar sua personalidade própria, ainda que nascido de seu ventre. O delicado contato deve ser mediado sempre pelo desejo genuíno de compreensão do outro, mas, como o filme evidencia, a raça humana é propensa ao apedrejamento como resposta imediatista para qualquer pergunta mais difícil. A mãe repele o questionamento indesejado da filha, desviando a responsabilidade para o pai; os militares optam facilmente pela violência perante o medo do desconhecido. O resultado é o mesmo.

Exatamente como no conto, “A Chegada” não é sobre uma invasão alienígena, não é sobre o contato com o desconhecido mundo externo. A alegoria apenas injeta suspense, serve na realidade como veículo refinado para uma linda história de amor entre mãe e filha, uma difícil jornada interna de compreensão da dor como elemento inevitável na experiência do amadurecimento, uma declaração libertária de união entre povos, um alerta precioso para a necessidade do diálogo como antídoto contra a agressividade da intolerância, em suma, um filme que traz esperança em um momento politicamente sombrio para os norte-americanos. Somos definidos por nossas escolhas, mas caso pudéssemos optar entre sofrer a dor de um amor fadado a ter um fim horrível, ou simplesmente evitar o primeiro encontro com a pessoa, qual caminho escolheríamos? Essa é a questão que o roteiro de Eric Heisserer faz, com plena consciência de que a única resposta humanamente aceitável é a mais sádica, emoções não são forjadas em ambientes assépticos, George Lucas já provava isso em “THX 1138”. A protagonista Louise, vivida por Amy Adams, sabe que a dor do término de uma relação, por mais avassaladora que seja a ruptura, não desvaloriza os bons momentos que a antecedem, a mágica interação, a troca de carinho, a força do perdão, pegadas na areia que serão inexoravelmente apagadas pelas ondas. É discutível até que a aceitação lúcida da finitude seja o elemento que verdadeiramente engrandeça a experiência. Sem um ponto final, qualquer frase perde relevância. 

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

"Elle", de Paul Verhoeven


Elle (2016)
Terminei a sessão e corri para ler o roteiro, disponível na internet, para absorver ao máximo a experiência. E leria o livro “Oh...”, de Philippe Djian, caso fosse possível encontrar ele em inglês. São raros os filmes hoje em dia que despertam esse tipo de garimpo. O que o roteiro de David Birke faz com maestria é utilizar a estrutura de uma típica história de vingança, material que caberia perfeitamente em qualquer thriller exploitation B da década de noventa, como ponto de partida para explorar a psique dos personagens, inserindo críticas corajosas envoltas em um senso de humor peculiar. Ao prestar atenção em pequenos momentos, aparentemente sem importância no desenrolar dos acontecimentos, você consegue enxergar a genialidade do projeto.

A protagonista Michèle, vivida por Isabelle Huppert, está em uma cafeteria, recebe a ligação do amante que a trata friamente, ela tenta o fazer entender que não está no clima pra um encontro sexual, mas o homem despreza a desculpa utilizada com o argumento mais machista possível, um egoísmo monstruoso. Uma mulher sentada numa mesa próxima escuta tudo e, ao se levantar, propositalmente derrama o café nela, demonstrando revolta pela atitude passiva que testemunhou. Ainda que a cena no filme, sem sutileza alguma, evidencie que a atitude é uma espécie de vingança da senhora contra a filha de um serial killer, há espaço para interpretações menos óbvias no roteiro. A curta sequência, surreal, dedica especial atenção à reação apática da protagonista, que sequer busca compreender o ocorrido, ela apenas aceita o revide da natureza. Esse leitmotiv reverbera em várias cenas, estabelecendo os alicerces alegóricos da trama, que não pede em nenhum momento para ser levada a sério. Quem buscar realismo no comportamento dos personagens vai se frustrar terrivelmente, não vai aproveitar a experiência.

Logo em seguida ela entra na casa da mãe, com muitas plásticas aparentes no rosto, a incapacidade de lidar de forma madura com o conceito da mortalidade, e a vê com um garoto de programa, algo que a deixa revoltada, reação que ressalta a hipocrisia dela. E, segundos depois, o roteiro mostra que a filha estava preocupada mesmo era com os gastos da mãe com esses encontros sexuais. A importante cena se encaminha para a revelação da mãe, que diz querer se casar novamente e pede sua opinião, ao que a filha rejeita sem pensar duas vezes. A mãe então diz: “Você sempre quis uma versão higienizada da vida”. As peças do quebra-cabeça emocional da personagem vão se encontrando nesses pequenos detalhes. O cineasta Paul Verhoeven, como de costume, utiliza a violência gráfica como veículo para tratar de assuntos espinhosos. O estupro sofrido logo na primeira cena, repetido em detalhes depois em flashback, existe como forma de colocar em confronto Michèle e suas muitas travas emocionais, os obstáculos que a impedem de seguir em frente, presa aos fantasmas do passado criminoso do pai, presa ao sentimento de culpa na criação do filho, presa à insegurança que o marido deixou de legado ao abandonar ela por uma mulher mais jovem, presa a uma imagem reducionista dela mesma.

Perceba que o estuprador não teve interesse em roubar nada na casa, ele desejava apenas satisfazer seu impulso sexual. Ela, que frequentemente se sente inferior como mulher perante as figuras femininas mais jovens, descobre da pior forma possível que ainda é desejada. Não é coincidência que, após o estupro, ela conquiste confiança pra seduzir abertamente o vizinho na mesa de jantar de sua casa. Ela deixa de ser passiva sexualmente, cansa de ser vítima da deselegância do amante que a enxerga apenas como objeto, e parte para o ataque, com plena consciência da necessidade de satisfazer seus desejos. Quando ela vê que a esposa do vizinho é uma jovem recatada, altamente religiosa, nasce o desafio. Outra cena muito importante ocorre em um restaurante, o encontro com o ex-marido. Ele diz, sobre a namorada psicótica do filho: “Esse tipo de garota costuma ser boa de cama”. E ela responde ofendida: “Boa de cama? O que isso quer dizer? Eu nunca entendi”. Como mulher em transformação, ela, enxergando claramente o machismo repulsivo na sociedade, ganha a coragem de revidar.

E, momento chave, Michèle então faz a pergunta relacionada à indecorosa mensagem de texto que recebeu do estuprador após o ato. No rosto dela você nota o selvagem conflito interno. Ela sentiu que o estuprador apreciou mais ela como mulher, ao contrário do ex-marido insensível e grosseiro, que, ao que tudo indica, trocaria ela por qualquer garota mais nova. E, detalhe importante, ela escolhe revelar o que aconteceu com ela na mesa, quando está presente também seu amante e a esposa dele, a amiga mais próxima. Novamente o leitmotiv da reação se faz presente. A única que realmente demonstra preocupação com o estado psicológico dela é Anna, a amiga, única mulher na mesa. Os dois homens, em estado de choque, parecem mais preocupados em obter uma descrição sádica do ocorrido, duvidando e, o mais cruel, inconscientemente julgando a vítima, o colega de trabalho chega até a checar o cardápio, quando o garçom se apresenta, mostrando indiferença, total falta de empatia. Ela não se surpreende com isso, muito pelo contrário, ela buscava exatamente a constatação de sua representatividade na vida daqueles homens que, de uma forma ou de outra, usufruíram de seus gestos sinceros de carinho.

Várias cenas criam variações desse mesmo tema, a natureza constantemente a desafia, mas ela segue forte, rejeitando absolutamente a autocomiseração como resposta aceitável, ela não aceita entregar a responsabilidade nas mãos dos policiais, do sistema patriarcal, o problema tem que ser resolvido de dentro pra fora, a questão é existencial. É compreensível que muitas feministas estejam se revoltando com o filme, não há espaço na mente da protagonista para discursos padronizados. Todos ao redor de Michèle se mostram frágeis, a começar pelo filho imaturo que é tratado como lixo pela namorada, interessada mais em se aproveitar da verba da família. A jovem desafia a autoridade da sogra, a provocação atinge níveis absurdos, mas a protagonista não se permite se mostrar afetada por aquilo. Até mesmo quando um agressor tenta humilhá-la publicamente em seu local de trabalho, sodomizada por um demônio lovecraftiano em um jogo eletrônico, a resignação subjuga o medo, ela não aceita entrar no jogo psicológico dele, ela se mostra superior.

Ao encontrar a nova namorada do ex-marido, jovem professora de yoga, elemento fisicamente opressor, ela brinca dizendo que aquele dia pouparia um desconforto num próximo encontro. A jovem sutilmente deixa escapar o deboche, ela considera que a mulher mais velha, que já é avó, não tem condição alguma de reaver aquele homem, Michèle absorve a informação subliminar e não se abala, já que tem consciência plena de que continua atraente, ela ganha mais segurança a cada dia que passa. As travas emocionais já foram destruídas, ela é capaz até de criticar abertamente a hipocrisia do ritual religioso, perfeita simbologia, exatamente na ceia de Natal. Ela encara o sistema mentiroso nos olhos e tem a capacidade de bravamente negar sua influência. Em uma cena de sutil simbolismo no terceiro ato, ela desafia até a morte, caminhando lentamente na frente de um carro, sabendo que pode ser atropelada. Essa é uma Michèle radicalmente diferente daquela que o roteiro nos apresenta nas primeiras cenas. Claro que não vou revelar pontos importantes da trama, para não prejudicar a experiência, mas vale destacar que todos os personagens periféricos recebem o mesmo tratamento cuidadoso em seus arcos narrativos.

“Elle” é muito mais do que aparenta na superfície. Um dos filmes mais instigantes dos últimos anos. 

domingo, 20 de novembro de 2016

Sobre a crítica cinematográfica e sua relação com os leitores


– O texto crítico não precisa necessariamente contar a sinopse do filme, análises profundas podem ser feitas a partir de apenas uma cena, como base argumentativa para abordar variados aspectos técnicos. A trama em detalhes será conhecida pelo espectador ao ver o filme, faz parte da experiência.

– É louvável o interesse em ler análises críticas de filmes que ainda não foram vistos, até mesmo daqueles que a pessoa não se interessaria inicialmente em conhecer. O instinto do garimpo intelectual é elemento fundamental no dedicado apreciador de cinema.

– As listas preparadas por um crítico são formadas com base no critério utilizado pelo profissional. Quando o leitor comenta de forma depreciativa sobre a ausência de qualquer outra produção, não apenas está afirmando desconhecer a função da crítica, como também está desrespeitando inconscientemente o crítico.

– Textos grandes ou textos curtos? Existem análises longas que dizem pouco, existem análises curtas que dizem muito. É preferível aparar arestas a ser repetitivo.

– Quando o crítico brasileiro se torna um adulador de um cineasta nacional ainda ativo, por mais vantajoso que isso possa parecer ser a princípio, soa forçado e destrói o conceito da imparcialidade crítica. O respeito sóbrio e sincero é sempre o melhor caminho nessa relação. É preferível ser um escritor discreto, ao invés de um “Amaury Jr.” arroz de festa.

– Seja responsável e coerente, o profissionalismo não se mede pela respeitabilidade do veículo em que você trabalha, mas pela seriedade com que você o realiza. Seja grande em um blog pequeno, a qualidade de seu trabalho será reconhecida por aqueles que se dedicam com a mesma seriedade.

– Não peça colaboração financeira de seus leitores por textos diários, escreva um livro, prepare um curso/oficina, comercialize um produto, mas não se vitimize publicamente para induzir os leitores a se tornarem “patrões”. O crítico profissional não deve ser remunerado por seus leitores, eles já te presenteiam com o elemento mais precioso, a atenção com o texto e a indicação de seu trabalho para amigos e familiares. A situação está muito complicada para todos que tentam propagar cultura no país, mas eu prefiro morrer de fome a pedir que meus leitores paguem pelo meu trabalho.

– Não “curta” no Facebook apenas os textos sobre filmes que você gosta, valorize o esforço do profissional que você respeita. O crítico passa horas trabalhando cada frase de sua análise, muitas das vezes sem remuneração alguma, pensando apenas em entregar um material de qualidade pros leitores. O carinho do leitor é um tremendo estímulo diário.

– A pior coisa que se pode pedir a um escritor é que ele substitua a arte da preparação de um texto por uma gravação em vídeo. Qualquer um pode se colocar diante de uma câmera e ficar se repetindo sobre como o filme x o emocionou, mas não há pirotecnia visual da melhor edição que emocione mais do que a leitura de uma frase bem trabalhada.

– Busque a fidelidade consciente de jovens adultos de 8 a 80 anos, não a adulação de infantilizados pré-adolescentes fascinados por sua participação em “tretas”. Seja mais lúcido, inclusive ao tratar de eventuais temas mais polêmicos. O crítico arrogante pode arregimentar um exército, mas está fadado ao descrédito. 

– Caso esteja começando na área, não se intimide com o número de seguidores de um crítico popular, pense que os youtubers teens conquistam multidões, milhões de inscritos, mas são intelectualmente equivalentes a uma ervilha. Não tente ser um “crítico amoeba” (risos), não siga tendências para agradar outrem, faça seu trabalho com seriedade.

– Finalizando, uma dica para leitores e aqueles que pretendem começar na crítica: respire cinema, novo e antigo, de todos os gêneros, da hora em que acorda até a hora de dormir.

"Star Trek: Sem Fronteiras", de Justin Lin


Star Trek: Sem Fronteiras (Star Trek Beyond – 2016)
Ao analisar esses novos projetos da franquia, muito eficientes naquilo que se propõem a entregar, não dá pra negar que os três roteiros juntos não arranham a superfície de possibilidades que a criação de Gene Roddenberry representa para o gênero da ficção científica. Havia tolice, humor bobo e ação irrelevante na série clássica, mas até mesmo os episódios mais ingênuos terminavam incitando alguma reflexão interessante. Esse espírito foi captado nos melhores filmes com a tripulação original, tramas que equilibravam bem os aspectos mais leves da relação entre os personagens, com a reflexão que abusava de referências a várias vertentes artísticas e a necessidade mercadológica de se construir sequências empolgantes de ação. O mercado hoje, infelizmente, está bem diferente. 

Os adolescentes são o público-alvo da indústria, são eles que compram ingressos, facilmente manipulados em estratégias de marketing, respiram o hype como se não houvesse amanhã, imediatistas e, com raras exceções, com pouquíssimo senso crítico. Então é compreensível que a cena em que Magro (Karl Urban) faz um brinde desejando boa visão e uma cabeça com muito cabelo, teoricamente uma alusão à consciência da mortalidade, acabe soando forçada. A ideia é boa, funcionaria com um elenco mais velho, funcionava muito bem nos filmes antigos, ornava poeticamente com os cabelos grisalhos, mas a equipe da nova Enterprise não parece ter muito mais que trinta anos. A indústria precisa que os adolescentes se identifiquem com os heróis, então todos os personagens agem e falam como a garotada. As tiradas cômicas soariam confortáveis nas bocas de alunos do fundo da sala, o título poderia ser: a turma da bagunça no espaço. A estrutura é frenética, com pausas rápidas para que a trama avance um pouco, mas nada muito elaborado, pra que o adolescente na sessão não sinta vontade de checar seu smartphone. O resultado, ainda que divertido, frustra demais o público adulto que gosta de ser minimamente desafiado. A banalização da ação, especialmente da forma como o diretor Justin Lin a constrói, abusando de giros de câmera, anestesia os sentidos, nivela tudo como barulho irritantemente alto, as sutilezas são imperceptíveis, em suma, você escuta o show encostado na caixa de som. 

Quando a trama injeta homenagens a Leonard Nimoy, parece que pai do adolescente no comando tomou as rédeas, o filme se torna mais orgânico, mais real, sentimos a emoção sincera na entrega de Zachary Quinto, sentimos saudade quando ele encontra uma foto da tripulação em “Jornada nas Estrelas – A Terra Desconhecida”, nesses momentos eu consigo enxergar o potencial desperdiçado. Quando a nave foi destruída em “À Procura de Spock”, o mundo inteiro comentou, os fãs custaram a acreditar que os produtores tinham ousado tanto. Já em “Sem Fronteiras”, a nave é destruída, você mastiga a pipoca, ela é reconstruída em fast forward no desfecho, você toma o último gole de refrigerante, duas horas depois você nem se lembra da motivação do vilão. Krall (Idris Elba) visualmente é impactante, mas em essência não passa de um monstro dos Power Rangers. O terceiro ato tenta enriquecer a personalidade dele, mas a história é sufocada pelo barulho, com o Capitão Kirk (Chris Pine) se exibindo em peripécias que constrangeriam James Bond e Ethan Hunt. É impressionante como ainda não conseguiram resgatar o lado estrategista do personagem, ele se tornou um genérico herói de blockbuster. 

O conceito por trás do título original é engenhoso, a metáfora do “além” como jornada de autoexploração individual, com cada personagem principal sendo forçado a enfrentar seus conflitos internos e amadurecer, mas o roteiro de Simon Pegg e Doug Jung, por mais espirituoso que seja em seu tom cômico, não consegue estabelecer uma base sólida para que o conceito seja transmitido, não vai além de alguns preguiçosos diálogos expositivos. 

sábado, 19 de novembro de 2016

"Tucker, Um Homem e Seu Sonho", de Francis Ford Coppola


Tucker, Um Homem e Seu Sonho (Tucker, The Man and His Dream – 1988)
A história verídica de Preston Tucker (Jeff Bridges), um projetista que inovou a produção de carros em 1940. Seu primeiro emprego foi como office-boy na sede da Cadillac Motor Company, e durante toda a sua vida, Tucker foi um projetista e sempre elaborou planos industriais. Durante a II Guera Mundial, ele passou a fabricar veículos bélicos, mas com o fim da guerra, em 1945, ele destinou seu dom industrial ao seu grande sonho: construir um automóvel que fosse seguro, rápido, baixo, comprido e com boa aerodinâmica.


A saga de um sonhador que reuniu um pequeno grupo de amigos em um projeto ousado, sem consciência do monstro imbatível e cruel que estava enfrentando. Esse resumo poderia ser sobre o início da carreira de Francis Ford Coppola, que meteu o pé na porta da indústria com “O Poderoso Chefão”, mas é a sinopse de “Tucker”, demonstrando a importância do elemento da identificação, o projeto, ainda que pouquíssimo atrativo comercialmente, falava diretamente ao coração do cineasta. Ele idealizava o filme desde sua época de estudante, imaginava uma pegada “Cidadão Kane”, um conceito que anos depois evoluiria para um grandioso musical com composições de Leonard Bernstein, algo que seria impossível de realizar após o fracasso de “Jardins de Pedra” nas bilheterias. Por mais importância que Preston Tucker tenha na área automobilística, ele era um completo desconhecido para o grande público, o que afastou os investidores e preocupou os executivos dos estúdios. 

Somente com a ajuda do amigo George Lucas, que tirou dinheiro do bolso pra embarcar na aventura, o filme conseguiu receber sinal verde, mas o criador de “Star Wars” fez questão de tirar da cabeça do amigo a ideia de um musical, sugerindo uma abordagem mais convencional, com toques das fábulas libertárias de Frank Capra e Preston Sturges. A fotografia impecável do mestre Vittorio Storaro garante o refinamento usual, brincando por vezes com cenas monocromáticas, mantendo o ângulo baixo, evidenciando a imponência do protagonista. Boa parte do mérito se deve à atuação irrepreensível de Jeff Bridges, pura energia e impulsividade, transmitindo o espírito do típico empreendedor entusiasmado que acredita no sonho norte-americano, encontrando equilíbrio na figura fascinantemente frágil de Martin Landau. O resultado está mais para “Peggy Sue”, longe dos contornos sombrios que Coppola adora injetar nas obras em que opera com total controle criativo, mas é um tom inspirador que mantém o filme agradável em revisão, ele sobreviveu bem ao teste do tempo.

* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora “Classicline”.

Chumbo Quente - "100 Rifles", de Tom Gries


100 Rifles (1969)
Em 1912, o xerife Lyedecker (Jim Brown) cruza a fronteira do Arizona com o México e vai até a região de Sonora, em perseguição ao ladrão de bancos Yaqui Joe Herrera (Burt Reynolds). Quando o encontra num pequeno povoado, vê que Joe está para ser fuzilado pelo sádico General Verdugo (Fernando Lamas) por ter usado o dinheiro que roubara para comprar rifles para o seu povo índio, os Yaqui, que estão em guerra contra os mexicanos.


Essa pérola brinca no terreno do Tortilla Western italiano, sem a predominância dos sobretons políticos usuais do subgênero, mas com uma tremenda noção de ritmo, mérito da direção de Tom Gries. A produção acabou ficando na sombra de “Os Profissionais”, lançado dois anos antes, obra superestimada que promete mais do que cumpre. Já “100 Rifles” entrega mais do que sua simples premissa prometia. Dois nomes: Raquel Welch e Soledad Miranda, belas, seguras e exalando sensualidade em cenas bastante ousadas para a época. Soledad tinha tudo pra se tornar uma estrela, mas faleceu jovem em um acidente de automóvel, logo após filmar “Vampyros Lesbos”, de Jess Franco. Jim Brown, o lendário jogador de futebol americano que surpreendeu em “Os Doze Condenados” e que depois se tornaria um dos grandes nomes do blaxploitation, consegue soar crível nas cenas de ação e nos momentos mais dramáticos, o alicerce moral da trama, um ótimo ator que ainda não recebeu o reconhecimento que merece. Vale destacar a cena de sexo entre ele e Welch, uma das primeiras a corajosamente quebrar barreiras raciais no cinema, algo que causou controvérsia em seu lançamento. 

Burt Reynolds, que tem descendência cherokee, repete basicamente a estrutura de seu personagem indígena homônimo no anterior “Joe, o Pistoleiro Implacável”, de Sergio Corbucci, mas emula claramente os trejeitos de Marlon Brando. O trio tem uma química adorável em cena, o que potencializa o impacto emocional nas várias sequências empolgantes de ação. A trilha sonora do mestre Jerry Goldsmith é impecável, ela foi lançada pelo selo importado Film Score Monthly, vale cada segundo investido. Eu recomendo especial atenção na bela faixa “Lyedecker and Sarita”, mas o disco todo é fantástico, aquela explosão sonora característica, experimentando até com um sitar indiano, a moldura perfeita e nada convencional, ao estilo do compositor. Outro ponto interessante no roteiro é a utilização inteligente do faroeste como veículo para uma crítica direcionada à hipocrisia religiosa, na cena que mostra o padre, que serve a um homem corrupto e cruel, preparando a alma de um dos personagens que está prestes a ser fuzilado. Quando o padre recebe o troco na mesma moeda, o enquadramento posiciona o crucifixo da igreja vigilante sobre o ombro da vítima que conseguiu escapar outrora, debochadamente constatando que ninguém está preparado para ser assassinado. 

* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora “Classicline”.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

"O Chaplin Que Ninguém Viu", de David Gill e Kevin Brownlow


O Chaplin Que Ninguém Viu (Unknown Chaplin – 1983)
O dedicado garimpo dos historiadores David Gill e Kevin Brownlow fornece imagens dos bastidores, entrevistas com testemunhas oculares dos projetos, registros de convidados ilustres nas filmagens e tomadas alternativas de cenas clássicas. Ao percebermos quantas possibilidades cômicas ele conseguia extrair de uma simples situação, constatamos a genialidade de alguém que verdadeiramente se importava com essa ferramenta, alguém que lutava para transcender todas as limitações, criando no momento e seguindo o instinto, sem roteiro, testando variações como um pianista perfeccionista e apaixonado.

O segmento inicial, “Os Anos Mais Felizes”, foca no período dele no estúdio Mutual, primeira vez em que ele alçou voos maiores em curtas com total controle criativo. A quantidade absurda de negativos utilizada, por vezes em sequências que acabavam não sendo usadas, demonstra a empolgação do jovem em marcar seu nome na indústria. Vale ressaltar também sua esperteza em elaborar truques visuais aparentemente simples, mas engenhosos, pra potencializar o impacto cômico das cenas. O segundo segmento, “O Grande Diretor”, apresenta a natureza mais conflituosa e temperamental do artista, alguém capaz de refazer um filme inteiro apenas pra trocar a atriz principal. O foco nos longas “O Garoto”, “Em Busca do Ouro” e “Luzes da Cidade”, representa a maturidade profissional de Chaplin. Já o terceiro segmento, “Tesouro Escondido”, joga luz em sequências descartadas de seus filmes, incluindo testes e brincadeiras que seriam aprimoradas em suas produções futuras. É uma valiosa colcha de retalhos em que temos a chance de ver um artista mais descontraído, o sorriso sincero de satisfação que é dado alguns segundos depois do corte de uma cena e a preocupação, mais sincera ainda, que atravessa em seu rosto na preparação inicial, em suma, a mágica desenvoltura na relação entre criador e criatura aos olhos da câmera.

O material exibido nesse excelente documentário em três partes é essencial, não somente para os fãs de Carlitos, que irão entender como funcionava a mente criativa do mestre, como também para todos aqueles que possuem um mínimo interesse sobre os alicerces da história do cinema. 


* O documentário está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Obras-Primas do Cinema", em edição de luxo com um belo pôster e dois cards.

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

"O Plano de Maggie", de Rebecca Miller


O Plano de Maggie (Maggie's Plan - 2015)
A roteirista/diretora Rebecca Miller tem poucos e bons trabalhos no currículo, “O Mundo de Jack e Rose” é uma pérola pouco conhecida, “O Tempo de Cada Um”, “Angela: Nas Asas da Imaginação” e “A Vida Íntima de Pippa Lee”, são acima da média, e, acima de tudo, mostram uma artista segura e com algo a dizer. Com “O Plano de Maggie” ela arrisca tocar no terreno mainstream, mantendo o espírito indie, cometendo o erro de não satisfazer plenamente os dois tipos de público, despertando o pior dos sentimentos: a apatia. A espontaneidade dos projetos anteriores se perde em um esforço calculado para adequar o estilo indie à pobreza de texto das comédias românticas convencionais, defendidas por personagens vazios, na busca óbvia de nivelar por baixo para expandir as possibilidades comerciais do filme.

Miller não tem o talento de um Woody Allen, que consegue inserir diálogos inteligentes e referências refinadas em um contexto popular. E ela conscientemente tenta travar diálogo com Allen, existem sequências que parecem saídas diretamente de suas produções, mas carecem de alma, o texto não ajuda. O senso de humor é, por conseguinte, previsível e debruçado em repetições tolas, por vezes apelando incoerentemente para piadas grosseiras. Greta Gerwig vive a protagonista (em teoria) segura de si e que acaba se descobrindo escrava de suas próprias contradições ao buscar ser mãe solteira, mas sua atuação está sempre um tom acima, beirando a caricatura, prejudicando a imersão do espectador já nas primeiras cenas. Julianne Moore e Ethan Hawke equilibram o jogo, mas o ritmo canhestro da trama, que já dá um solavanco abrupto nos primeiros vinte minutos e manda para o espaço o elemento da credibilidade, minimiza o efeito de algumas boas situações. A câmera nervosa, provavelmente mais uma tentativa pouco sutil de transparecer personalidade, distrai ainda mais a atenção, recurso desnecessário para uma trama tão singela.

Está longe de ser uma tragédia, mas tem seu potencial desperdiçado irresponsavelmente ao tentar agradar gregos e troianos. 

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

O cinema nos diários de minha avó

Donald Trump acaba de ser eleito presidente dos Estados Unidos, mais um sintoma de que o ser humano está se esforçando ao máximo pra desacreditar o sapiens que sucede o homo, uma espécie verdadeiramente em queda livre existencial. Sem perspectiva de futuro, volto meu olhar novamente ao passado. Em um texto recente abordei meu relacionamento com minha saudosa avó materna Haydê (leia aqui), mas nada havia me preparado para o que descobri alguns dias atrás. Tive contato com alguns de seus diários, registros das décadas de cinquenta e sessenta. E, o mais espetacular, percebi que ela era tão apaixonada por cinema quanto eu! Ela informava sistematicamente todos os filmes vistos, a sala de cinema de cada sessão, com direito até a uma breve opinião (péssimo - regular - bom - ótimo - excelente). Faço questão de compartilhar com você alguns desses registros, já que não daria pra colocar todos, são mais de trinta páginas de filmes vistos nas salas do Rio de Janeiro entre 1952 e 1969. O que mais me emociona é saber que exatamente no ano inicial ela estava com a minha idade, trinta e três anos. Na foto abaixo, tirada em 1953, ela está com minha mãe Eliane no colo, ao lado do meu avô Newton.


1952
3 de Maio - Palácio - Tico-Tico no Fubá, de Adolfo Celi (bom)
28 de Maio - Palácio - David e Betsabá, de Henry King (regular)
3 de Agosto - Palácio - A Cigana me Enganou, de Norman Z. McLeod (ótimo)
30 de Agosto - Palácio - A Estrela do Destino, de Vincent Sherman (regular)

Cinco dias antes de minha mãe nascer, o filme visto foi:
27 de Setembro - Metro - O Vale da Decisão, de Tay Garnett (ótimo)

1 mês depois de dar a luz, já estava de volta ao cinema:
1 de Novembro (Sábado) - Olinda - Chaga de Fogo, de William Wyler (ótimo)

Página inicial do diário, com foto de Audrey Hepburn.
1953
7 de Fevereiro (Sábado) - América - Carnaval Atlântida, de José Carlos Burle e Carlos Manga (ótimo)
12 de Fevereiro (Quinta) - Pax - Filhos do Deserto, com Stan Laurel e Oliver Hardy (ótimo)
21 de Fevereiro (Sábado) - Ipanema - Barnabé, Tu és Meu ("ótima comédia com Oscarito")
14 de Março (Sábado) - Rex - Uma Noite na Ópera ("ótima comédia com os Irmãos Marx")
1 de Abril (Quarta) - Metro - Ivanhoé (ótimo)
1 de Maio (Sexta) - América - O Cangaceiro (ótimo)
31 de Maio (Domingo) - América - Uma Pulga na Balança, de Luciano Salce (bom)
2 de Agosto (Domingo) - Olinda - O Maior Espetáculo da Terra, de Cecil B. DeMille (bom)
5 de Setembro (Sábado) - Carioca - A Lei do Chicote, de Lewis Milestone (bom)

7 de Setembro (Segunda) - Carioca - Luzes da Ribalta, de Charles Chaplin (excelente)
15 de Outubro (Quinta) - Metro - Lili, de Charles Walters ("ótimo na nova tela panorâmica")
26 de Dezembro (Sábado) - Palácio - O Ladrão Silencioso, com Ray Milland ("bom, sem diálogos, um pouco cansativo")


1954
31 de Janeiro (Domingo) - Olinda - O Intrépido General Custer (primeiro filme que meus avós viram juntos, no início de namoro, onze anos antes)
6 de Março (Sábado) - Olinda - Guerra dos Mundos, de Byron Haskin (bom)
26 de Março (Sexta) - Odeon - Museu de Cêra ("bom, pena que seja em terceira dimensão, obrigando o uso de óculos que cansam muito a vista")
30 de Abril (Sexta) - Palácio - O Manto Sagrado ("ótimo, em Cinemascope")
4 de Maio (Terça) - Império - Nem Sansão, Nem Dalila ("boa comédia nacional")
15 de Maio (Sábado) - Madrid - Cabeleireiro das Arábias, com Fernandel ("boa comédia francesa")
22 de Maio (Sábado) - Presidente - Sua Majestade, o Sr. Carloni ("ótimo filme italiano")
12 de Junho (Sábado) - Palácio - A Um Passo da Eternidade (ótimo)
15 de Junho (Terça) - Palácio - Os Brutos Também Amam (bom)
18 de Junho (Sexta) - Marabá - Só Resta Uma Lágrima ("ótimo filme com Olivia de Havilland")
2 de Setembro (Quarta) - Carioca - Náufragos do Titanic ("ótimo filme com Barbara Stanwick")
20 de Novembro (Sábado) - Império - O Salário do Medo ("excelente filme francês")
31 de Dezembro (Sexta) - Metro - Rapsódia ("ótimo filme com Elizabeth Taylor")

1955
8 de Janeiro (Sábado) - Olinda - O Filhinho do Papai ("ótima comédia com Jerry Lewis e Dean Martin")
24 de Janeiro (Segunda) - Olinda - Alice no País das Maravilhas ("primeiro filme do festival Walt Disney")
29 de Janeiro (Sábado) - Olinda (tarde) - Branca de Neve e os Sete Anões / Carioca (noite) - Interlúdio, de Hitchcock (excelente)
19 de Março (Sábado) - Carioca - Angú de Caroço ("ótima comédia com Ankito")
26 de Março (Sábado) - Olinda - A Grande Noite de Casanova ("boa comédia com Bob Hope")
30 de Abril (Sábado) - Metro - Sete Noivas Para Sete Irmãos (bom)
7 de Maio (Sábado) - Olinda - A Princesa e o Plebeu ("ótimo filme com Audrey Hepburn e Gregory Peck")
9 de Junho (Quinta) - Olinda - Janela Indiscreta, de Hitchcock (bom)
13 de Julho (Quarta) - Olinda - A Princesa e o Plebeu ("vi pela segunda vez")
5 de Novembro (Sábado) - Olinda - Sabrina ("ótimo filme com Audrey Hepburn")
24 de Dezembro (Sábado) - Madrid - Papai Pernilongo, com Fred Astaire ("excelente e delicioso")


1956
26 de Janeiro (Quinta) - Avenida - Romeu e Julieta ("boa comédia com Cantinflas")
4 de Fevereiro (Sábado) - Carioca - Sindicato de Ladrões, de Elia Kazan (ótimo)
7 de Abril (Sábado) - Madrid - O Pecado Mora ao Lado, de Billy Wilder (bom)
14 de Abril (Sábado) - Madrid - Casa de Bambu, de Samuel Fuller (ótimo)
19 de Maio (Sábado) - Metro - Eles e Elas (regular)
30 de Junho (Sábado) - Madrid - Suplício de Uma Saudade (excelente)
1 de Setembro (Sábado) - Olinda - Sangue de Bárbaros (bom)
16 de Setembro (Domingo) - Madrid - Colégio de Brotos ("ótima comédia com Oscarito")

Você sabe que "Ben-Hur" (1959) é o filme responsável por meu amor pelo cinema, desde que o vi pela primeira vez aos quatro anos de idade. Cito isso em meu livro e em diversos textos do blog. Imagine minha emoção ao encontrar nos registros dos diários de 1961/1962 esses trechos:

1961
11 de Março (Domingo) - "Newton comprou entradas para o filme Ben-Hur, amanhã no Metro".
12 de Março (Segunda) - Metro - BEN-HUR - ("excelente filme, são 4 horas de projeção e não se sente passar o tempo")
16 de Março (Sexta) - "Comprei entradas para amanhã ver Ben-Hur de novo".
17 de Março (Sábado) - Metro - "Vimos Ben-Hur e mais uma vez achei-o um filme excepcional". 

1962
11 de Janeiro (Quinta) - Metro - "Vi novamente o excepcional Ben-Hur".
22 de Janeiro (Terça) - Metro - "Vi novamente Ben-Hur".
24 de Janeiro (Quarta) - Metro - "Fui ver com as crianças novamente Ben-Hur".
27 de Janeiro (Sábado) - Metro - "Fui com as meninas (de novo) e levei uma vizinha para ver Ben-Hur, esse filme excepcional que, quanto mais se vê, mais vontade se tem de ver. Fomos vê-lo pela sexta vez". 
31 de Janeiro (Quarta) - Metro - "Fui com as meninas ao Metro pela última vez, pois é o último dia do excepcional Ben-Hur, que vimos pela sétima vez". 

Minha mãe pequena ficou apaixonada pelo filme e me passou esse maravilhoso "vírus". 


E, mostrando que minha avó era uma crítica informal de personalidade forte, cito três avaliações controversas do ano de 1962:

20 de Junho (Quarta) - Palácio - A Aventura, de Antonioni (péssimo)
19 de Julho (Quinta) - Eskye - O Terror das Mulheres, de Jerry Lewis (péssimo)
28 de Outubro (Domingo) - Britânia - Divórcio à Italiana, de Pietro Germi (péssimo)

Para finalizar, a primeira sessão daquele que seria lembrado por ela no futuro como seu filme favorito, aquele que vi com ela em DVD poucas semanas antes de seu falecimento:

31 de Dezembro de 1962 (Segunda) - Olinda - "Vi o excelente filme SISSI, com Romy Schneider". 


Fico feliz que minha avó tenha vivido para ver meus primeiros passos na área artística. Ela foi uma grande dama. Essa é minha singela homenagem a ela.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Guilty Pleasures - "Os Vampiros de Salem: O Retorno"


Os Vampiros de Salem – O Retorno (A Return to Salem’s Lot – 1987)
Um antropólogo leva seu filho adolescente para a sua cidade natal, Jerusalem’s Lot, buscando sossego. Lá, descobrem que a cidade está infestada de vampiros. Cabe a ele e aos sobreviventes acabarem com a ameaça, antes que eles sejam os próximos residentes definitivos de Salem. 

O maior erro de análise é supor que esse filme seja uma continuação do bom “Os Vampiros de Salem”, adaptação de “A Hora do Vampiro”, de Stephen King, dirigido por Tobe Hooper para a televisão norte-americana em 1979. Sem o peso dessa responsabilidade e conhecendo o trabalho de Larry Cohen, que novamente aposta na parceria com o adorável canastrão Michael Moriarty, você pode apreciar melhor essa picaretagem divertida, totalmente despretensiosa, com vampiros que evitam sugar o sangue de estranhos por medo da AIDS e que tem a pachorra de contar com a participação do diretor Samuel Fuller, gênio responsável por “Paixões Que Alucinam” e “Capacete de Aço”, roubando todas as suas cenas como um caçador de nazistas falastrão e que frequentemente usa a teatralidade como arma, característica que rende momentos hilários. Quando questionado sobre a impossibilidade de vampiros serem tidos como críveis pelo povo de outras cidades, ele responde: “Em 500 anos, quem vai acreditar que os nazistas existiram?”.

A ambição do protagonista em lucrar com temas polêmicos encontra na possibilidade de ser o porta-voz daquela nova sociedade um sedutor caminho. O líder vampiro, vivido por Andrew Duggan, quer que o rapaz escreva uma Bíblia explicando para o mundo como ocorreu a evolução de sua raça, então ele se utiliza de todos os meios, até mesmo facilitando o encontro do antropólogo com um amor de infância, a bela vampira vivida por Katja Crosby. Sem qualquer relação com o livro original e sua adaptação, a trama injeta um potencial satírico no conceito da pequena cidade tomada por vampiros, traz personagens novos e faz uma referência em seu início ao controverso “Cannibal Holocaust”, de Ruggero Deodato, mostrando o antropólogo filmando o ritual de uma tribo remota que sacrifica um de seus membros. O terror é meu gênero de formação, gosto de todas as suas vertentes, apesar de enxergar boa parte da filmografia de Cohen como guilty pleasures, então o desfecho tosco da absurda cena me remete às sessões vespertinas do “Cine Trash”, que passava na TV Bandeirantes.


* A distribuidora Vinyx Multimidia, pelo selo Fear Films, está lançando o filme em DVD em edição de luxo, com pôster. 

Chumbo Quente - "O Homem do Oeste" e "Fúria Selvagem"


O Homem do Oeste (Man of the West – 1958)
Quando se fala no velho Oeste alegórico de Hollywood, todos se lembram das paisagens nos filmes de John Ford, da beleza do Monument Valley emoldurando cavaleiros de trajes coloridos e sem um sinal de pó, como se houvessem acabado de sair das páginas dos contos de aventura adolescente. Alguns afirmam que os italianos foram os responsáveis por incutirem a cruel realidade em seus spaghetti westerns, onde deixavam transparecer o suor escorrendo por barbas desalinhadas, com cavaleiros trajando vestes devidamente maltratadas pelas intempéries locais. A realidade é que antes dos italianos decidirem parar de imitar os americanos, em filmes como “Adiós Gringo” e “O Dólar Furado”, e evoluírem o conceito do Western, apropriando-se com competência e subvertendo-o, houve em Hollywood um cineasta genuinamente autoral que já ousava no gênero décadas antes. 

Anthony Mann iniciou como auxiliar do competente Preston Sturges na obra prima “Contrastes Humanos” (Sullivan´s Travels – 1941) e logo imprimiu seu estilo narrativo em alguns bons filmes noir. Seu interesse era em aprofundar-se nas motivações de seus protagonistas, normalmente ligados por algum laço familiar ou afetivo. Diferente dos clássicos heróis americanos do gênero, os de Mann usualmente escondiam algum segredo soturno, obedecendo apenas uma lei ditada por conveniências pessoais. Conflituosos internamente e perceptivelmente angustiados, eles buscam quase sempre a redenção por erros antigos. Visceral mas simples, sua câmera busca apenas os ângulos que favorecem sua narrativa, nunca ambicionando aparecer mais do que a trama que se propõe a contar, contrastando com o senso comum de muitos diretores, até hoje, que se vangloriam por serem “autorais”, mas que com seus arroubos visuais egocêntricos apenas seguem, inconscientemente, uma cartilha ditada pelo primeiro que filmou uma árvore de cabeça para baixo e escutou alguém afirmar ser genial. O ato elegante de haver em vida se escondido por trás de seu talento, ao invés de ter buscado os holofotes, como tantos outros diretores autorais, tornou Mann um cineasta de qualidade rara e preciosa.

Gary Cooper (Link Jones) vive um homem disposto a apagar suas tortas pegadas e refazer seus passos, constantemente disciplinando em si mesmo o desejo pela violência. Negando-se a aceitar a realidade que a vida havia lhe oferecido, tendo como única referência paterna um tio, vivido pelo fantástico Lee J. Cobb, inconsequente e violento, decide provar a si próprio a força de seu caráter. Desde o primeiro momento fica evidente seu desespero em manter-se incógnito, estabelecendo identidades falsas para cada cidadão que o aborda. Como seu nome deixa implícito, ele representa um elo (“link”) entre o antigo Oeste violento/solitário e o Oeste domado que se principiava no horizonte, onde a união de forças iria encaminhar o progresso. Deixando para trás a violência, caminhando firme em direção ao homem moderno que ele precisa ser. O símbolo desta mudança é a confiança adquirida, já que o povo de sua cidade (Good Hope = Boa Esperança) aceita sua nova conduta e entrega em suas mãos uma considerável soma monetária, para que ele viaje ao encontro de uma professora e a convença a trabalhar para as crianças de sua cidade. Ele conseguirá manter-se íntegro quando forçado a reviver seu sombrio passado? Com roteiro do competente Reginald Rose, da obra prima “Doze Homens e uma Sentença”, e uma sensibilidade pouco usual no gênero, “O Homem do Oeste” merece constar na coleção de qualquer cinéfilo, fã ou não do Western.


Fúria Selvagem (Man in the Wilderness – 1971)
Na época do lançamento do superestimado “O Regresso”, de Iñárritu, eu custei a entender a razão de tanto falatório, apesar da massiva publicidade conquistada com as indicações pros prêmios da Academia, e do infantil meme que pedia a estatueta para o protagonista, o resultado inchado esbanjava pretensão artística e pseudofilosofia de botequim, mas era irritantemente vazio. O melhor filme sobre a história de Hugh Glass já havia sido feito e acumulava poeira na memória dos cinéfilos: “Fúria Selvagem”, de Richard C. Sarafian. Esse importante resgate proposto pela distribuidora “Versátil” pode ajudar na necessária reavaliação desse clássico. Somente a perturbadora cena real do búfalo sendo devorado pelos lobos já garantiria a superioridade, sequência extremamente tensa em que o protagonista, vivido pelo grande Richard Harris, já bastante ferido, precisa lutar pelo seu alimento. 

Os flashbacks inteligentemente inseridos vão revelando aspectos interessantes sobre o caráter do personagem, a sua relação conflituosa com o conceito de religiosidade, elemento que adiciona camadas interessantes de simbologia ao conto de sobrevivência, a aventura inconsequente como fuga da realidade triste da morte da esposa, o sentimento de culpa pelo abandono do filho nesse processo, conduzindo de forma emotivamente eficiente o espectador até o poderoso desfecho, o embate com o líder da expedição, que o deixou indefeso perante o que parecia ser a morte certa. Vivido pelo imponente John Huston, um tipo ególatra que, assim como Herzog faria uma década depois em “Fitzcarraldo”, puxa um grande barco em terra firme. O que engrandece a obra é a beleza na constatação de que a suprema redenção, a recuperação física e psicológica após tantos traumas, passa obrigatoriamente pelo difícil obstáculo do perdão.





* Os filmes estão sendo lançados em DVD pela distribuidora "Versátil", com a curadoria sempre impecável de Fernando Brito, na caixa "Cinema Faroeste, Vol. 4", que conta ainda com os seguintes títulos: "Nas Margens do Rio Grande" (1959), "Barquero" (1971), "Paixão de Bravo" (1952) e "Fora das Grades" (1955).

Cine Giallo - "5 Bonecas Para a Lua de Agosto", de Mario Bava


Cinco Bonecas Para a Lua de Agosto (5 bambole per la luna d'agosto – 1970)
Um grupo de amigos é vítima de assassinatos misteriosos numa ilha paradisíaca. Inspirado livremente em “O Caso dos Dez Negrinhos”, de Agatha Christie.

Quando entrevistei o colega crítico norte-americano Tim Lucas, especialista na obra de Mario Bava, eu citei “Cinco Bonecas Para a Lua de Agosto” como um dos meus favoritos em sua filmografia. A razão? O resultado me fascina como uma mensagem criptografada, um enigma que parece se complicar mais a cada revisão, um convite para variadas interpretações, um roteiro em que nada se desenvolve de maneira previsível. Gosto de roteiros que continuam instigando questionamentos dias após a sessão. O assassinato na sequência inicial, respeitando a fórmula básica e facilmente identificável de cenas similares, acaba se revelando uma farsa tola, estabelecendo o tom debochado. A bela aparentemente indefesa, desgastada vítima dos gialli, pode se mostrar experiente em artes marciais. A estrutura whodunnit, a própria característica principal do gênero, a teatralidade sádica e estética dos assassinatos, elemento essencial também do giallo, ocorre sempre fora do alcance da câmera, até mesmo confrontos físicos menores entre personagens são atrapalhados por objetos de cena que bloqueiam a visão do espectador. 

O leitmotiv visual dos patéticos corpos humanos dividindo espaço no freezer com pedaços de carne bovina, a trilha sonora debochada de Piero Umiliani que remete às brincadeiras infantis, a apatia dos sobreviventes que parecem aguardar tranquilos na ilha, conscientes do fim trágico, metáfora criativa para a finitude, por trás do contexto raso que envolve a ambição do assassino que deseja obter a fórmula de um cientista em uma reunião de empresários, algo que nunca é devidamente explicado. Esse MacGuffin frágil e pequeno, aquilo que desejamos entender a vida toda sem sucesso, o sentido da existência, o enigma que nos entretém enquanto aguardamos na ilha paradisíaca que esconde perigos em cada trecho de terra, enquanto traições ocorrem e novos amores são despertados, som e fúria, até que acabemos pendurados na inevitável câmara frigorífica, destituídos de qualquer falsa importância social que tenhamos logrado conquistar no decorrer da experiência. 





* O filme foi lançado em DVD pela distribuidora "Versátil", com a curadoria sempre impecável de Fernando Brito, na caixa "Giallo, Vol. 3", tendo como material extra uma apresentação em vídeo do próprio Fernando, que já ministrou cursos sobre a obra do cineasta italiano. A caixa contém ainda os seguintes títulos: "Premonição" (1977), "No Quarto Escuro de Satã" (1972) e "Os Passos" (1975).

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

Tesouros da Sétima Arte - "Mishima: Uma Vida em Quatro Tempos"


Mishima – Uma Vida em Quatro Tempos (Mishima: A Life in Four Chapters – 1985)
A figura do escritor japonês Yukio Mishima é muito pouco conhecida pelo público brasileiro, o que engrandece a importância desse resgate que a “Obras Primas do Cinema” realiza. É difícil não finalizar a sessão sem sentir um desejo enorme de ler seus trabalhos. Eu já havia sido impactado pelo minimalismo estético de “Mar Inquieto” e ficado encantado com o lirismo de "O Marinheiro que Perdeu as Graças do Mar" e a coletânea de contos “Morte em Pleno Verão”, mas ainda preciso ler outras obras dele, especialmente as mais celebradas, como “Confissões de Uma Máscara” e “O Templo do Pavilhão Dourado”.

A opção de Kimitake Hiraoka pela utilização de um pseudônimo já denotava o apreço do jovem pela teatralidade, um caminho ideologicamente complexo que o conduziu para um desfecho ritualístico altamente simbólico em 1970, após conquistar o reconhecimento de crítica e público por seus livros, endereçou aos seus editores um envelope contendo o final do livro que estava escrevendo, juntou-se aos companheiros da Sociedade do Escudo, organização de extrema-direita que ele havia criado dois anos antes e seguiu para o quartel-general das Forças Armadas em Tóquio. Com agressividade, obrigou o general a permitir que ele fizesse um discurso para todos os oficiais, em que bradava o amor pela tradição cultural japonesa e a necessidade da nação não perder sua identidade no processo de ocidentalização. Após o discurso inflamado, Mishima cometeu no local o seppuku, o ritual de suicídio do guerreiro samurai. Uma personalidade fascinante que viveu em conflito com sua sexualidade e o medo da degradação física, buscando se expressar artisticamente de diversas formas, tendo sido cantor, ator e cineasta, também adorava fotografia, uma atitude que representava a libertação de uma infância e adolescência escravizadas pela timidez.

O filme do roteirista/diretor Paul Schrader abraça uma estrutura narrativa coerente com a pena poética que guiou o escritor, emoldurada pela trilha sonora maravilhosa de Philip Glass, intercalando passagens de sua vida com dramatizações propositalmente artificiais de segmentos de seus livros, cada título com sua própria paleta de cores na fotografia, e flashbacks da infância e adolescência em refinado preto e branco. O resultado está longe de ser popular, não é o tipo de produto que você consegue encaixar na grade televisiva com cortes para os intervalos comerciais, esse projeto é trabalho de gente grande, material pra ser visto ajoelhado em reverência. A crítica mundial normalmente celebra, de forma justa, o texto de Schrader para “Taxi Driver”, de Scorsese, mas eu considero “Mishima” o seu melhor momento no cinema, um tesouro que precisa ser reavaliado.


* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Obras-Primas do Cinema", com excelente material extra, quatro featurettes revelando mais sobre os bastidores da produção e a vida do homenageado.

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

TOP - Séries de TV (que marcaram a minha vida)

Neste mês é celebrado mundialmente o Dia da Televisão (21 de Novembro), então decidi compartilhar com meus leitores as quinze séries televisivas que marcaram minha vida até o momento. Não é a escolha de um crítico, preferi fazer uma lista emotiva, com alguns títulos que normalmente são desprezados pelos pseudointelectuais. E preferi me ater às séries que já foram finalizadas, já que, na maioria das vezes, cai a qualidade dos roteiros e eu vou perdendo o interesse ao longo das temporadas. A exceção é "Arquivo X", que teve uma nova temporada moderna, mas levo em consideração apenas a jornada original. Vale ressaltar que a lista não está em ordem de preferência.


Anos Incríveis (The Wonder Years - 1988 a 1993)
A TV Cultura era a emissora que eu mais via na infância, passava Rá-Tim-Bum, Pingu, Tintim, O Mundo de Beakman e essa preciosidade chamada "Anos Incríveis". Os episódios eram pura poesia, nostalgia, elegância e ternura. O tipo de entretenimento que infelizmente não se faz mais hoje em dia. As crianças já foram mais respeitadas pelos veículos de comunicação. 


Jornada nas Estrelas (Star Trek - 1966 a 1969)
Capitão Kirk, Spock e McCoy, são mais que personagens de uma série, eles ajudaram a formar o meu caráter. A série que fez com que eu me apaixonasse perdidamente pela ficção científica ainda na infância.


Twin Peaks (1990 a 1991)
Ainda criança na época da exibição, eu não entendia nada da trama, mas a atmosfera me prendia no sofá. Anos depois, ao rever a série, já apaixonado pela filmografia do diretor David Lynch, quis ler tudo o que encontrava sobre a produção. A televisão não foi mais a mesma depois da morte de Laura Palmer. 


Monty Python Flying Circus (1969 a 1974)
A série, especialmente as duas primeiras temporadas, representa a criatividade cômica elevada à enésima potência. Quando vejo o público de hoje celebrando qualquer sitcom tola, constato que o público da "sala de jantar" ainda não está preparado para a irreverência do grupo.


Batman (1966 a 1968)
É impossível sintetizar a importância desta série na minha infância. Eu acompanhava diariamente nas exibições vespertinas no SBT, desferindo socos no ar junto com os heróis nas clássicas sequências de batalha com onomatopeias.


Breaking Bad (2008 a 2013)
O melhor momento da dramaturgia televisiva recente, roteiros geniais, não tem sequer um episódio ruim. Uma aula de como desenrolar uma trama sem gordura extra, com pleno desenvolvimento de todos os personagens. Trabalho de gente grande. 


Married with Children (1987 a 1997)
A modinha na minha época de adolescente era ser fã de "Os Simpsons", mas eu nunca me senti cativado pela animação. É como "Os Três Patetas", eu compreendo o valor, mas não consigo gostar. Irreverência mesmo eu encontrei na família Bundy, com tramas ousadas para a época, ultrapassando todos os limites do politicamente correto. 


Arquivo X (The X-Files - 1993 a 2002)
Uma mitologia rica em possibilidades, uma dupla de personagens carismáticos, enredos instigantes e uma música-tema inesquecível em seu minimalismo. 


Chaves (El Chavo del Ocho - 1972 a 1979)
O saudoso Roberto Gómez Bolaños escreveu episódios em que vários diálogos e cenas entraram para a cultura pop nacional, um personagem que nunca irá envelhecer, humor ingênuo, inteligente e puro.


Esquadrão Relâmpago Changeman (Dengeki Sentai Chenjiman - 1985 a 1986)
Com o futuro lançamento de um novo filme dos Power Rangers, boa parte dos críticos vai confessar que apreciava a série original na adolescência, mas eu sou tokusatsu japonês de raiz, minha infância foi pulando na frente da televisão, imitando os movimentos de Tsurugi, o Change Dragon de Changeman.


Cosmos (1980)
A série que me apresentou ao trabalho do grande Carl Sagan e intensificou meu fascínio pelos mistérios do universo. 


ALF, o ETeimoso (Alf - 1986 a 1990)
O querido dublador Orlando Drummond é a razão principal para esse título estar na lista. Ao pensar na série, eu volto no tempo imediatamente para as tardes de Domingo de minha infância.


Os Trapalhões (1969 a 1994)
O quarteto Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, os heróis nacionais de toda criança da década de oitenta. Maravilhoso humor politicamente incorreto, mistura de estilos, incorporando outras culturas como Monteiro Lobato fazia na literatura, um pedaço inesquecível da história da televisão brasileira.


Teatro dos Contos de Fadas (Faerie Tale Theater - 1982 a 1987)
Outro clássico da TV Cultura, cada episódio trazia histórias encantadoras e engraçadas do imaginário infantil com um elenco primoroso. O projeto foi idealizado pela atriz Shelley Duvall, de "O Iluminado".


Friends (1994 a 2004)
A curta duração dos episódios, a inteligência nos diálogos e a química irresistível do elenco garantem incrível valor de revisão. É uma fórmula, mas a execução é maravilhosa.