domingo, 18 de agosto de 2013

"Apocalypse Now", de Francis Ford Coppola


Apocalypse Now (1979)
Joseph Conrad iniciou seu estudo sobre Kurtz em “O Coração das Trevas” e Francis Ford Coppola arrematou com sangue em seu “Apocalypse Now”. A experiência de ter lido “O Coração das Trevas” (Heart of Darkness – 1902, editado em três partes no ano de 1899) ainda adolescente, com todos os questionamentos existenciais típicos da época, foi mentalmente acachapante. Era como se o abismo de Nietzsche houvesse olhado dentro da minha alma e revirado tudo no processo. Somente quando reli a obra, já mais velho, pude realmente captar sua essência. O Kurtz que antes eu considerava um monstro digno dos piores filmes de terror, agora me soava humano. Cheguei até mesmo a compreender sua jornada, cada vez mais distante da sociedade, prisioneiro cada vez mais de seus próprios delírios de grandeza. A obra onírica do polonês Joseph Conrad fascina por seu poder de sugestão, nada é explícito. Ao virar da página, o leitor impotente como em um sonho, percebe que a narração de Marlow sobre sua viagem ao Congo e sua busca por Kurtz, torna-se mais enigmática ao passar do tempo. Quando enfim o sol se põe e o manto da escuridão envolve a noite, sua história aprofunda-se como em um pesadelo.

Com “Apocalypse Now”, o diretor Francis Ford Coppola fez uma incrível releitura do clássico livro, mantendo alguns nomes e eventos, mas modificando a sua ambientação. A adaptação do diretor para o desfecho me soou mais eficiente que o do livro. A personalidade de Kurtz é o que me leva a reler (e rever) a obra diversas vezes. Um homem comum, um artista que caça marfim ou um coronel, que se isola no âmago da selva, do Congo ou do Vietnã, e que progressivamente desata seus laços com a sociedade, abraçando cada vez mais forte a escuridão, seu lado bestial. Inteligente e de sensibilidade apurada, em pouco tempo consegue a admiração do povo indígena que o vê como um ser superior. Ele se torna um homem-deus (o übermensch descrito por Nietzsche em “Assim Falou Zarathustra”), cujo temor não se limita apenas aos povoados próximos, atravessando oceanos e tornando-se um mito. Sua presença física só nos é apresentada ao final, mas a sua influência se faz presente em todos os momentos, assim como a “Rebecca” de Hitchcock, ou a “Laura” de Otto Preminger, guardadas as devidas proporções.

Marlon Brando estava fora de forma na época, desleixo que o acompanharia até o fim da vida, o que fez com que Coppola modificasse um elemento importante do livro, mostrando-o apenas de relance, sempre envolto em sombras. Sinceramente acredito que este obstáculo foi uma bênção, pois não somente ajudou na construção de clima, como também provou ser uma forma coerente de expressar o distúrbio psicológico do personagem, sem a necessidade de muitos diálogos. Eu recomendo a todos que leiam o livro antes de assistir ao filme, como em uma “sessão dupla”.

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