domingo, 18 de agosto de 2013

John Rambo


O canadense David Morrell lançou seu primeiro livro: “First Blood” em 1972, um típico exemplo de consumo rápido, daqueles que folheamos avidamente e terminamos em uma só madrugada insone. A estrutura simples e episódica, narrando a perseguição de um jovem veterano da Guerra do Vietnã, por policiais de uma cidade interiorana. Rambo quer apenas ser respeitado após ter testemunhado tanta desgraça, mas pisa no calo de um xerife complexado que vê na recusa do jovem em aceitar seu comando, uma grave ofensa pessoal. O ato final é eletrizante, com o jovem utilizando tudo o que aprendeu nas forças armadas, contra os policiais da cidade. Ele tenta cometer suicídio, colocando dinamite no próprio corpo, mas decide morrer de forma honrada em confronto com o xerife. Ao final fica subentendido que, por compaixão, ele já exaurido e gravemente ferido recebe um tiro de misericórdia do Coronel Trautman, vivido no filme por Richard Crenna, e morre.

No cinema o personagem ressurgiria como um símbolo de seu tempo. O diretor Ted Kotcheff ofereceu o papel principal ao jovem Sylvester Stallone, após os produtores terem considerado artistas como Clint Eastwood, Paul Newman, Al Pacino e até mesmo Dustin Hoffman. Quase todos recusaram por acharem o personagem muito violento, menos Pacino, que declinou da oferta por não poder torná-lo ainda mais insano. Stallone estava com tudo em Hollywood, após o enorme sucesso de seu roteiro: “Rocky”. Ele decidiu então reescrever o roteiro do filme, evitando colocar o protagonista como causador direto das mortes, mostrando-o como uma vítima das circunstâncias. Esta decisão foi essencial para o sucesso do filme, enquanto que sua decisão de manter o personagem vivo seria o mote perfeito para o nascimento da lucrativa franquia. Morrell gostou tanto das modificações propostas pelo jovem ator, que as amalgamou nas continuações que escreveria sobre o personagem. O final original do livro chegou a ser filmado, mas acabou sendo rejeitado em favor de algo muito mais eficiente, o famoso monólogo escrito por Stallone: “... Na guerra nós tínhamos um código de honra, eu protejo você e você me protege. Aqui não há nada! Eu podia dirigir tanques, estava responsável por equipamentos de um milhão de dólares, mas aqui eu não posso nem trabalhar de flanelinha”.

Não tem como falar do filme e não mencionar sua espetacular trilha sonora, composta por Jerry Goldsmith. O tema “It´s a Long Road” capta com perfeição a angústia do jovem, que em seu crescendo explode e revida com as armas que a sociedade lhe entregou. A trilha composta para o segundo filme: “Rambo 2 – A Missão” (Rambo: First Blood Part 2 – 1985) ainda é considerada um dos pontos altos da carreira do compositor, simbolizando em sua percussão agressiva a transformação do conceito minimalista “oprimido se revolta” em um super-herói caricatural. A bandana vermelha passando a figurar como um acessório mitológico, um retrato da América belicista de Ronald Reagan, tomando de assalto o mundo com guerrilheiros camuflados e suas metralhadoras na altura da cintura. O diretor George P. Cosmatos construiu um filme de ação perfeito, exercendo influência direta em vários similares produzidos em sua década. O protagonista não recebe nenhum aprimoramento em suas motivações psicológicas, tendo inclusive seus traumas suavizados no roteiro, favorecendo a inclusão de cenas de alívio cômico e um breve romance. Já “Rambo 3” (Rambo 3 – 1988) sofre pela indecisão no foco, sem aprofundar-se como drama ou ação. O roteiro intenciona nos levar a torcer pelo revide dos afegãos, mas nunca os retrata com humanidade suficiente para que realmente nos importemos. A escolha do diretor Peter MacDonald em abraçar alguma verossimilhança visceral ao denunciar uma realidade violenta, se vê comprometida ao novamente colocar no terceiro ato, que parece mais guiado pelos produtores, o protagonista como um super-herói caricatural, que irá vencer sozinho a guerra, munindo uma faca estilosa que protagoniza mais planos de detalhe que os closes do próprio guerreiro. “Rambo 4” (Rambo – 2008) entrega o desfecho que Stallone, que pode ser considerado o cocriador do personagem, quis dar ao velho herói. Com uma violência extremamente gráfica e o apreço do diretor Stallone pelas montagens, que faz muito bem, o filme serve como uma apropriada conclusão, onde o velho combatente enfim retorna para sua casa, após a longa estrada percorrida.

Passados trinta anos, muitos cinéfilos e o público em geral, tendem a menosprezar o personagem. Basta um olhar mais dedicado e menos preconceituoso, para perceber a qualidade da obra original e o até mesmo o valor de suas sequências. O fenômeno “Rambo” foi avassalador na década de oitenta, espalhando-se por várias mídias e influenciando o cinema de ação que era realizado. Eu ainda guardo na memória os bonecos inspirados na animação “Rambo: The Force of Freedom”, as tintas verdes que eram vendidas como camuflagens para as crianças da década de oitenta e, claro, a bandana vermelha que utilizei na minha festa de aniversário de cinco anos. 

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