quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Chumbo Quente - "Tempo de Massacre" e "Os Abutres Têm Fome"


Tempo de Massacre (Le Colt Cantarono la Morte e Fu... Tempo di Massacro - 1966)
Tom Corbert (Franco Nero) retorna à sua cidade e encontra suas terras em posse dos Scott. Seu amigo é assassinado por pistoleiros da família que monopoliza a região. Tom então inicia um terrível plano de vingança com a ajuda de seu alcoólatra irmão, vivido por George Hilton. 

O diretor italiano Lucio Fulci é reconhecido mundialmente pelo seu trabalho com o terror (obras como “Zombi 2” e “Terror nas Trevas”), mas ele fez alguns Westerns, sendo “Tempo de Massacre” seu primeiro e melhor trabalho no gênero. Franco Nero (vindo do recente sucesso em “Django”) alia-se ao uruguaio George Hilton(que viria a se estabelecer no gênero, inclusive interpretando o mítico “Sartana”) em uma das melhores sequências de ação já captadas no “Spaghetti Western”, o que é apenas uma das qualidades desta obra. A excelente trilha sonora (de Coriolano Gori, com música-tema cantada em inglês, como de costume, por Sergio Endrigo) e a violenta cena do chicoteamento sofrido pelo herói, não somente foram poupadas pela cruel ação do tempo, como conseguem manter sua eficiência intacta. O alívio cômico na figura do esperto coveiro (vivido pelo chinês Tchang Yu), que cobra até pela saliva gasta em sua informação, induzirá o espectador ao riso com a mesma habilidade. O excruciante fator tempo, problema maior que encontro ao revisitar os filmes italianos do gênero, foi ultrapassado com habilidade por Fulci neste caso (infelizmente não posso dizer o mesmo de “Os Quatro do Apocalipse”, que o mesmo dirigiu em 1975).

Inspirado pelo faroeste psicológico de Raoul Walsh: “Sua Única Saída” (Pursued – 1947), o filme foi um divisor de águas para o diretor (que atrairia a atenção de produtores) e para seus dois protagonistas. Nero confirmaria com este sucesso, seu carisma lucrativo (substituindo Giuliano Gemma aos olhos dos fãs), enquanto Hilton viria a construir uma carreira graças a este papel coadjuvante, onde eclipsa o protagonista. O ponto alto (inclusive servindo de inspiração para o cineasta John Woo) é o tiroteio final, onde o espetáculo de destruição (anterior ao “Meu Ódio Será sua Herança”, que Sam Peckinpah realizaria em 1969) desrespeita qualquer verossimilhança, com Nero saltando acrobaticamente e já caindo atirando. As imagens que guardo na memória após a sessão são aquelas em que a dupla claramente se diverte enquanto realiza sua vingança, trocando de armas entre si. A camaradagem entre pessoas que se respeitam (mesmo com divergências), unindo-se em um objetivo comum.


Os Abutres Têm Fome (Two Mules for Sister Sara – 1970)
Os americanos criaram o gênero faroeste, com o bem e o mal sendo retratados de forma clara (sem tons de cinza), com cowboys de vestes limpas (como se saídas de um tintureiro) e coloridas. Os italianos iniciaram copiando o estilo dos americanos, mas pouco tempo depois começaram a estabelecer um novo padrão do que era o Velho Oeste, com um cenário decadente e onde não se podia distinguir o bem do mal, com cowboys sujos e de vestes maltratadas pelo desgaste natural, dentes podres, barbas por fazer e Ennio Morricone. A estética do chamado “Western Spaghetti” então acabou sendo copiada pelos americanos, em obras como “Os Abutres têm Fome”. Outro aspecto interessante do filme é que ele utiliza o humor como tema central, algo que remete aos filmes da série italiana “Trinity”. Infelizmente o título em português comete o deslize de ignorar a brincadeira que existe no original: “Duas Mulas para a Irmã Sara”. A segunda mula é o personagem vivido por Clint Eastwood, aceitando brincar em cima de sua própria persona estabelecida nos clássicos de Sergio Leone. Vale a pena salientar que Ennio Morricone conduz mais uma trilha sonora inspirada e coerente com o tom bem humorado do projeto, utilizando em sua melodia trechos de um coral entoando em estilo gregoriano frases como: “livrai-nos do pecado e da tentação”.

A química entre o pistoleiro vivido por Eastwood e a misteriosa freira vivida por Shirley MacLaine, garante os melhores momentos da obra. O diretor Don Siegel (que depois iria comandar o último filme de John Wayne: “O Último Pistoleiro”) consegue equilibrar as situações cômicas com cenas de ação de ótimo ritmo, fazendo com que até mesmo nos intervalos, a atenção do público seja mantida. Na época de sua estreia ele foi mal recebido, pois as pessoas queriam o “Homem sem Nome” (ainda hoje alguns incorrem no erro de compará-lo com filmes no gênero de outras pretensões), não uma divertida brincadeira com o Velho Oeste. Visto hoje, nota-se que tanto o tema quanto a execução envelheceram muito bem. A tensão sexual entre os dois personagens encontra seu ápice na esperta revelação final, que obviamente não citarei no texto, em respeito aos que ainda não assistiram.

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