quinta-feira, 10 de março de 2016

Entrevista com Renzo Mora, autor do livro: "Casablanca - A Criação de Uma Obra-Prima Involuntária do Cinema"


Em mais uma entrevista exclusiva para o "Devo Tudo ao Cinema", converso com o colega escritor Renzo Mora, que lançou o livro: "Casablanca - A Criação de Uma Obra-Prima Involuntária do Cinema", pela Editora Estronho.

Renzo com o "Falcão Maltês" original.

O - Uma vez eu escrevi que, dentre todos os filmes da época de ouro de Hollywood, "Casablanca" era o mais próximo de uma blowing session de Jazz, onde o improviso foi o elemento que engrandeceu o resultado final em todos os aspectos. Como esse é o mote do seu livro, explique melhor os bastidores dessa produção, desde sua concepção teatral. 

R - Houve improviso na redação do script, já que a peça que serviu de base (por sinal, inédita nos palcos até então) mostrava uma infidelidade conjugal, o que não era aceito pelo MPPDA (Motion Picture Producers and Distributors of America). A protagonista da peça era uma mulher imoral, o que era inapropriado para a típica heroína dos anos 1940. Desta forma, o roteiro foi passando por muitas mãos, a ponto de ninguém saber exatamente quem escreveu o que, principalmente para suavizar o comportamento da personagem de Bergman. Mas, no estúdio, imperava a ditadura implacável de Michael Curtiz, o que não deixava muito espaço para a improvisação, embora Bogart tenha enfiado cacos memoráveis em suas falas.

O - Outro fator que me fascina nessa equação arriscada da Warner é o impressionante e inesperado sucesso, de público e crítica, que o filme conquistou na época. Hoje em dia os filmes já são pensados com toda pretensão possível, a sequência já é divulgada antes mesmo do primeiro estrear, a máquina se tornou, de fato, industrial. Mas ninguém, nem mesmo os profissionais envolvidos, acreditavam que "Casablanca" chamaria tanta atenção. Disserte sobre isso. E, na sua opinião, quais foram os elementos (dentro da obra) que garantiram esse sucesso. 

R - Esse é o grande mistério de Casablanca. Ele era um filme apenas mediano na linha de produção da Warner. Talvez se houvesse naquela época os infinitos testes com público, o final infeliz não tivesse resistido. Não sei explicar a mágica de Casablanca – mas a graça da mágica está justamente em ser inexplicável. Ninguém ficou mais surpreso com a repercussão do filme do que seus protagonistas, Bogart e Bergman, que achavam o roteiro uma bobagem cheia de furos.

O - Como você analisa a importância de Humphrey Bogart e Ingrid Bergman no que tange esse sucesso? Fique à vontade para abordar como eles foram escalados para o filme. 

R - Esqueça aquela história de Ronald Reagan sendo pensado para o papel de Rick. As alternativas desde o começo eram Bogart (ou, talvez, George Raft), mas a aposta mais certeira era Bogart. Já a mocinha mais cotada era Ann Sheridan. Os irmãos Epstein, parte do time de roteiristas, achavam que qualquer americana peituda serviria. No final, o papel caiu nas mãos de uma relutante Ingrid Bergman, cuja maior ambição na época era se livrar logo do filme para tentar estrelar “Por Quem os Sinos Dobram? ”, adaptação do livro de Hemingway.


O - O roteiro foi lido pelo profissional da Warner no dia do ataque em Pearl Harbor, o contexto histórico mostra que os norte-americanos ainda estavam relutantes com relação à guerra. Do dia para a noite, o interesse pelo cinema enquanto ferramenta de propaganda cresceu exponencialmente. E a Warner foi pioneira nisso, com "confissões de um espião nazista", de 1939. Como você analisa a influência desses elementos externos na realização do filme, esse timing perfeito? 

R - A opinião pública americana estava muito relutante em ver a América entrar no conflito. De fato, Hitler tinha até fãs nos EUA, como o aviador Charles Lindbergh. Ele era visto como o corajoso que se levantava contra o Império Britânico e sua “arrogância”. Neste contexto, todos os instrumentos de propaganda eram necessários para convencer o americano médio – e o filme se insere nestes esforços, sem que isso o desmereça. Guardadas as proporções, a Capela Sistina é um instrumento de propaganda do catolicismo.

O - Em sua opinião, qual a relevância do diretor Michael Curtiz no produto final? Ele foi essencial para evitar que o caos dos bastidores transparecesse nas filmagens? 

R - Sem dúvida. Talvez até demais. Curtiz era um tirano, o que revoltava os astros principais, mas sua mão de ferro segurou a produção durante as incertezas que rondava o final do filme (Ingrid seria assassinada? Iria com o marido? Ou ele é quem morreria?)

O - Disserte sobre a inserção da canção "As Time Goes By" e sobre a importância dela no apelo popular da obra. 

R - Era uma canção esquecida, composta em 1931 para um musical medíocre – e era odiada pelo autor da trilha original do filme Max Steiner. Mas, assim como o filme propriamente dito, ela tem alguma qualidade mágica que a eternizou e se incorporou à mística da obra.


O - A emocionante cena emoldurada pela Marseillaise foi inspirada por uma similar no filme "A Grande Ilusão", de Jean Renoir. É, para mim, o segundo momento mais impactante do filme, após o clássico desfecho. Como você enxerga a relevância emocional dessa cena, a sua execução, levando em conta o contexto real da guerra?

R - Quando Bogart concorda com sua execução, ele não sabe com o que está concordando. Com sua falta de modos peculiar, Curtiz pediu a ele que acenasse positivamente com a cabeça e não explicou para que servia a cena. É curioso que a Marselhesa tenha uma relação de amor e ódio com os franceses. Por um tempo, ela foi vista como um símbolo do pior da direita xenófoba francesa. Depois dos recentes atentados terroristas, ela voltou a ser vista como um símbolo do país. Talvez ela expressasse o patriotismo francês visto a partir dos EUA. Mas quando ela “contamina” todo o bar de Rick, sufocando os nazistas, não há quem não se renda. E talvez o filme tenha ajudado a recolocar o hino em seu devido lugar no orgulho de ser francês, na época profundamente abalado pela tomada do país.

O - Aborde o papel fundamental da censura na subtrama romântica da personagem de Bergman, algo que, curiosamente, foi análogo ao que aconteceu com a própria atriz, ao se apaixonar pelo italiano Roberto Rossellini. 

R - A vida imita a arte. Na peça, a personagem feminina trai o marido sem o menor escrúpulo – o que não era permitido no cinema. Daí a viuvez presumida, o que justifica o romance extraconjugal. A maior prova de que a sociedade americana não estava pronta para este tipo de comportamento foi o exílio afetivo que Bergman sofreu quando trocou o marido pelo cineasta italiano. Só quando ela também foi traída pelo incorrigível Rossellini a América a aceitou de volta, desta vez como vítima.

O - Woody Allen é meu grande ídolo no cinema. Você gosta da utilização do Rick de "Casablanca" em "Sonhos de Um Sedutor" (peça e filme), como o amigo imaginário do tímido cinéfilo vivido por Allen? E, aproveitando o ensejo, como você enxerga a importância desse personagem na cultura pop mundial? 

R - Rick Blaine é o primeiro rebelde do cinema americano, matriz de centenas de personagens que vieram depois dele. Woody Allen queria ser Bogart. Todos nós queremos ser Bogart. O Bogart das telas e o da vida real – cínico, indomável, durão. Infelizmente, quebraram o molde e resta-nos sonhar que ele nos aconselhe, como faz com o personagem de Allen.






O - Renzo, por gentileza, deixe uma mensagem final para os meus leitores. E fique à vontade para divulgar o livro.

R - Revejam Casablanca. Rick Blaine permanece como o herói que gostaríamos de ser. Os segredos de sua produção e a vida dos envolvidos é quase um filme à parte, tão fascinante quanto a própria obra.

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