sábado, 19 de março de 2016

"El Cid", de Anthony Mann


El Cid (1961)
A trajetória de Rodrigo Diaz de Bivar, mais conhecido como El Cid, herói espanhol do século XI que uniu os católicos e os mouros do seu país para lutar contra um inimigo comum: o emir Ben Yussuf (Herbert Lom).


O Brasil vive um momento político complicado, com uma parcela expressiva, ainda que minoritária, de seu povo praticando a duvidosa arte da dissonância cognitiva, por pura ingenuidade ou inescrupulosa esperteza. Os mais lúcidos, enxergando que não há heróis íntegros a serem defendidos nessa guerra suja, em nenhum dos lados, buscam uma réstia de ética que traga alguma esperança. Como terapia desintoxicante intensiva, eu escolhi rever um dos épicos mais bonitos da história do cinema, dirigido pelo mestre Anthony Mann, protagonizado por Charlton Heston e Sophia Loren, o emocionante “El Cid”, a saga de um homem digno, honrado e corajoso, valores essenciais que precisam ser resgatados por boa parte do povo brasileiro. Ao final da sessão, lágrimas no rosto e a gratidão de, por três preciosas horas, ter sido conduzido a uma elegante e bela realidade preenchida pela nobreza de caráter do protagonista, defendendo diálogos ricos em simbologia, envoltos por uma trilha sonora encantadora de Miklós Rózsa. Um contexto bem diferente de quando conheci o filme, ainda na época do VHS duplo, com uma péssima qualidade de imagem.

Quando o produtor Samuel Bronston comprou os direitos que estavam com o diretor espanhol Rafael Gil, ele intensificou os elementos de romance e aventura, desprezando a abordagem mais fria do roteiro original, escalando Heston como garantia de empatia com o público, logo após o sucesso arrebatador de “Ben-Hur”. Mann chegou a cogitar colocar a esposa Sara Montiel no papel de Ximena, mas acabou aceitando a sugestão de Bronston, escalando Loren. O vilão mais óbvio, vivido por Herbert Lom, é unidimensional como um capanga da franquia 007, talvez o único ponto realmente negativo. Mas, analisando com mais cuidado, o real antagonista é plenamente desenvolvido, o rei Alfonso, cujo arco narrativo o conduz de uma gênese como um fraco submisso, passando pela omissão no planejamento do assassinato do irmão, até uma ordem injusta e cruel de exílio, culminando no reconhecimento do erro e a redenção com bravura no campo de batalha. Com tantos personagens bem desenvolvidos, dá pra perdoar a caricatura que é Yussuf. O mais bonito nessa jornada de Alfonso é que ele é levado a se tornar um indivíduo melhor por assimilação. Ele faz questão de causar todo tipo de problema para El Cid, ele despeja nele todo o seu ódio, mas recebe de volta apenas gestos de honradez. Ele avança com a espada, na expectativa de que o seu oponente se defenda, ou contra-ataque, os impulsos esperados por quem vive pela lei da guerra, mas o oponente vira as costas, conquista um reino e, sabendo que poderia tomar o trono para si próprio, prefere seguir o que é correto, entregando a coroa a quem fez de tudo pra tornar sua vida uma experiência miserável. Alfonso é amaldiçoado por sua própria consciência. Ele então aprende com o caráter do herói o caminho da dignidade.

Como esquecer o desfecho? A força simbólica do herói morto, em seu cavalo, guiando seus homens e, mais importante, amedrontando os inimigos. A escolha da fotografia nesse momento em posicionar El Cid, quando visto pela primeira vez por seus inimigos, emoldurado por um clarão da luz do sol, sem dúvida, uma das cenas mais bonitas no gênero, marca a transformação do homem em lenda. Os mais jovens podem perceber nessa longa sequência, que vai da preparação dos exércitos até o fim do conflito, as referências visuais para batalhas similares em várias produções modernas, como “O Senhor dos Anéis” e “300”. É uma pena que as novas gerações não valorizem esse épico como ele merece. Que pena que o filme acabou e preciso encarar a realidade nojenta dos políticos desse país. 

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