domingo, 27 de abril de 2014

Sobre os que lucram com o racismo...

O ator Morgan Freeman tempos atrás deu uma declaração inteligente ao ser abordado sobre racismo. Quando perguntado sobre a melhor forma de confrontá-lo, respondeu sem titubear: “não o mencione”. Ele também afirmou que considera ridículo o conceito por trás de um “Mês da Consciência Negra”, pois com sua existência apenas salienta o preconceito. Não existe “Mês da Consciência Branca” ou um “Mês da Consciência Judaica”, então qual a razão de resumir toda a importância dos negros na fundação dos Estados Unidos em apenas um mês? Psicologicamente tendemos a conferir homenagens simbólicas ao que consideramos diferente, posto que o que consideramos natural, nós simplesmente absorvemos em nossa rotina.

O “Dia do Índio” e o “Dia Mundial do Orgulho Gay” existem, ainda que a violência e o desrespeito contra índios e homossexuais continuem sendo exercidos com a mesma contundência em nossa sociedade. O racismo é um preconceito que nasce, como todos, da ignorância, tendo como base o discurso de que negros são diferentes de brancos. Nos restaurantes do sul dos Estados Unidos, na década de cinquenta, eram separadas as mesas para brancos e as mesas para negros, banheiros para negros e banheiros para brancos. Quando reforçamos a equivocada diferença, por meio de datas ou favorecimentos especiais, posicionamos um tijolo a mais no muro da segregação. A única forma de acabar com o racismo é eliminar qualquer tipo de hipócrita diferenciação, ou como Morgan Freeman muito bem opinou, parando de falar no assunto. Infelizmente este erro muitas vezes é cometido pelos próprios negros, que salientam a diferença, ao invés de defenderem o fato de que somos todos iguais. Aquele que veste uma camiseta com dizeres que afirmam algum senso exagerado de orgulho negro, inconscientemente está agindo ideologicamente de forma tão extremista, não tão violenta, quanto um neonazista. O racismo foi alimentado por décadas pela diferenciação, então a única forma de erradicá-lo é alimentar a igualdade.

Continuando no tema, quando Quentin Tarantino lançou seu faroeste “Django Livre” (Django Unchained), que tem como herói um escravo negro (vivido por Jamie Foxx), ele foi alvo de diversas críticas que acusaram o filme de racista. O diretor negro Spike Lee defendeu o tolo argumento: “não vi, não verei e não gostei”. Lee fez carreira salientando as diferenças, um tipo de blaxploitation panfletário, enquanto Tarantino brinca com o senso de igualdade (entre gêneros cinematográficos, principalmente), resumindo seu projeto a um conto de vingança com referências ao Western Spaghetti italiano. Em um ponto de vista de extrema liberdade criativa, fico pensando se, diferente de Tarantino, Lee se preocupa com a erradicação do racismo, pois não teria mais pelo que lutar/lucrar. Assim como os programas de televisão vespertinos que se nutrem da violência, que torcem para que o incêndio se alastre, para que a audiência aumente. Infelizmente esta reação apatetada de Lee acabou validando outros esforços similares, como os protestos que acabaram causando a interrupção da fabricação de bonecos com personagens do filme. O argumento utilizado foi o de que esses bonecos são altamente ofensivos aos ancestrais dos negros e à comunidade afro-americana. No ponto de vista dos que reclamaram, os bonecos representariam uma zombaria à escravidão. O real achincalhamento reside no ato de fingir não ver, desviar o olhar da realidade para uma ilusória bolha de proteção, cuja camada frágil não resiste sequer à gota da chuva.

Retirem das prateleiras os bonecos dos negros heróis do Velho Oeste, infelizmente ainda raros, deixando espaço para os usuais bonecos de cowboys e super-heróis brancos. Rejeitando a mescla de brancos e negros, inclusive nas lojas de brinquedo, com a desculpa de que se busca preservar a história dos negros, os grupos reclamantes parecem demonstrar preferência pela sustentação da diferença, como se a consequência dela fosse mais interessante para eles que os esforços por se homogeneizarem. O racismo será uma palavra extinta quando, tanto brancos quanto negros, perceberem que ela simboliza uma diferença inexistente.

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