segunda-feira, 7 de abril de 2014

Faces do Medo - "A Noite dos Mortos-Vivos" (1968)


A Noite dos Mortos-Vivos (Night of The Living Dead – 1968)
Existem filmes sobre zumbis que precedem a obra seminal de George Romero, como “A Epidemia de Zumbis”, de 1966, mas um dos motivos que tornaram “A Noite dos Mortos-Vivos” (e suas sequências), ao longo do tempo, mais do que um produto de seu gênero, foi sua utilização do tema como metáfora para problemas sociais, como o racismo. Não é por acaso que a trama se passa em uma cidade sulista americana.

Lançado pouco tempo depois do assassinato de Martin Luther King, no intenso fogo cruzado racial em uma América que ainda dividia a utilização de banheiros públicos pela cor da pele, o filme era protagonizado por Duane Jones, um negro. Sua apresentação, por volta dos quinze minutos de filme, insinua esse elemento ideológico. Desesperada, a jovem Barbra (Judith O’Dea) percebe que os zumbis estão se aproximando da casa, então ela corre para fora do local, assustando-se então com as luzes do carro que se aproxima. A câmera nos apresenta Ben (Jones) no mesmo ângulo utilizado para enquadrar os zumbis. Por alguns segundos, assim como a jovem, somos levados a crer que ele é um dos mortos-vivos.


Negros no cinema americano, até aquele momento, haviam sido utilizados com destaque apenas em projetos que abordavam exatamente o tema racial. Com exceção talvez de “O Caso Bedford” (de 1965), com Sidney Poitier. No próprio gênero, como em “Zumbi Branco” (de 1932) ou “Ouanga” (de 1936), os negros eram utilizados como escravos zumbis ou feiticeiros malignos praticantes de Vodu. A ousadia de Romero, indo contrário ao roteiro, que tratava Ben (caucasiano) como um estereótipo, foi permitir que Jones retrabalhasse os diálogos, inserindo atitude e tornando o personagem narrativamente mais interessante, um homem comum que simplesmente reage por instinto de sobrevivência. Ele compôs inconscientemente um amálgama do orgulho do Virgil Tibbs de “No Calor da Noite” com a agressividade dos heróis da posterior era “Blaxploitation”. Em uma situação de pânico da jovem, ele chega a agredi-la sem pensar duas vezes, numa atitude que seria comum em “Shaft” ou “Super Fly”, mas um risco tremendo em sua época. Sua morte ao final, sendo abatido friamente por engano, acentua ainda mais esse discurso.

Os zumbis hoje em dia são parte inerente da cultura popular, utilizados generosamente em todas as mídias. A qualidade da maquiagem está cada vez melhor e eles até correm, cada vez mais ameaçadores. Mas não acredito que essas produções serão lembradas no futuro, pois carecem do elemento da metáfora. A crítica ao consumo exacerbado em “O Despertar dos Mortos” e ao militarismo em “Dia dos Mortos”, foram negligenciadas nas suas respectivas refilmagens, que priorizaram o puro entretenimento. É muito bom revisitar a obra original de Romero e constatar sua coragem, ao mesmo tempo em que refletimos se não nos tornamos exatamente os zumbis alienados que ele vislumbrava. O apocalipse zumbi, ao que tudo indica, já está ocorrendo...
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A excelente editora “Darkside Books” está lançando uma obra imperdível para os fãs do cinema de terror, a novelização de “A Noite dos Mortos-Vivos”, escrita por John Russo, com a adição do texto integral da continuação do filme, que não chegou a ser filmada, intitulada: “A Volta dos Mortos-Vivos” (sem ligação com o “terrir” homônimo). Acabamento em capa dura, com o refinamento já conhecido pelos leitores da editora. Item obrigatório na coleção de qualquer cinéfilo.

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