Estamos vivendo um momento muito importante na história
cultural deste país, uma genuína “Crise de Seldon” (profético Isaac Asimov)
que definirá o futuro da sociedade. Todo e qualquer arroubo criativo que exceda
os padrões ditos normais, garante posto eterno de perturbador da paz àqueles
que os praticam. Posto este, incensado pela mídia e devidamente abraçado por um
público, surpreendentemente indiferente aos cordões que lhes manipulam diariamente.
Ato este, alimentado por vários anos, como que em um processo irresponsável de
mediocrização popular. Aquele senhor de fraque e cartola que aplaudia no Teatro
Municipal as obras de Schubert, hoje assiste seus filhos e netos “indo até o
chão” ao som do Funk. Aquelas músicas populares de letras tão lindas de
outrora, hoje são apenas refrões simplistas envoltos por um “La,La,La”
dispensável e irritante. O sertanejo, que antes era de raiz, hoje é uma vitrine
para jovens criados no ar condicionado, porém que mantém o chapéu e a atitude
de quem passou a manhã inteira ordenhando vacas. Até mesmo o “Hip-Hop” que
antes falava tão realisticamente sobre as mazelas do país, hoje foi diluído e parece servir
apenas para exultar cafetões e mulheres fúteis. Parafraseando Edu Lobo, o
problema hoje em dia não parece mais ser: “quem me dera agora eu tivesse a
viola para cantar”, mas sim: alguém escutaria?
Estamos em pleno 2014 e nossos jovens desaprenderam a
escrever (algo inclusive incentivado pelos nossos governantes). O mundo moderno
lhes deu instrumentos: Facebook, Twitter, celulares cuja função menos
importante é aquela inventada por Graham Bell, “trocentas” opções de canais de
televisão visualizados em telas gigantescas em 3D, “máxima megalomania, porém
monocórdia mesmice” (parafraseando o genial Chico Anysio). Deram-lhes asas,
porém não os ensinaram a voar, ou não os contaram que era possível tal feito.
O resultado é visível a qualquer um que realmente se importe em ver: mídias de
redes sociais desperdiçadas com correntes tolas e mal escritas. Ofensas
indiretas (direcionadas a alguém que provavelmente não perceberá que é o alvo)
e seu direto oposto: o egocentrismo. A carência da sociedade nunca se mostrou
tão cruelmente perceptível como hoje.
Evitando me perder em meus próprios devaneios, voltarei
minha atenção novamente para o foco inicial. O politicamente correto parece ser
a consequência natural dos vários anos deste processo (reversível) de
mediocrização. Comediantes são levados a sério e condenados, enquanto políticos
são vistos como astros pop. Volte Andy Kaufman, pois o mundo precisa de
você. Aliás, a lembrança desse incrível artista foi o que me motivou a escrever
este texto. Para aqueles que nunca ouviram falar nele, indico o ótimo filme de
Milos Forman: “O Mundo de Andy” (Man on the Moon – 1999), em que Jim
Carrey interpreta este ícone do humor americano. Resumindo bastante, Kaufman
era um jovem anárquico e brilhante, que chocava plateias com seu senso de humor
peculiar e com grandes (bem orquestradas) armações. Ele era capaz de trocar
sopapos com donas de casa em um ringue de luta greco-romana ou subir em um
palco e calmamente ler “O Grande Gatsby” até a plateia começar a vaiar, assim
como também podia ir a um “talk show” e apresentar três delinquentes do Harlem como
seus filhos adotivos, sem esboçar o menor sinal de que estava brincando. Andy
não temia os limites do humor, ele apenas os subjugava e os ultrapassava.
O humor tem limites? Quem os estabelece? Façamos um
exercício criativo e por um momento imaginemos como seria o mundo, ditado pelo
politicamente correto atual. Não haveria com certeza espaço para grupos como o
“Monty Python” ou artistas como Andy Kaufman e Lenny Bruce. Chico Anysio e
seu humor elegante, porém ácido e crítico, também não teria tido oportunidade. Mazzaropi e
o machismo de seu “Jeca Tatú” seriam motivo de processos semanais. O que dizer
da língua afiada de Groucho Marx e das tubaínas de Mussum?
Estaríamos fadados a um mundo asséptico, composto por humoristas comportados (elemento
antagônico ao próprio humor), programas de televisão “chapa branca” e suas
piadas bobinhas, que ofendem somente a inteligência do público. Maldito mundo
moderno.
A pergunta que se mantém, enquanto comediantes recebem
mandados de prisão e políticos corruptos miraculosamente os evitam é: quem
está lucrando com esta mediocridade?
Excelente desabafo, Octávio. Seus textos são muito bons!!
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