segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Amor e Lágrimas - "Não me Abandone Jamais"


Revi alguns dias atrás o ótimo “Não me Abandone Jamais” (Never Let Me Go – 2010) e fiquei algumas horas, após os créditos finais, discutindo a eficiente crítica que ele apresenta. Obviamente que o mérito é do escritor japonês Kazuo Ishiguro, que em 2005 concebeu este brilhante conceito em forma de ficção científica. Tendo lido a obra antes mesmo dela haver sido lançada no Brasil, já considerava impossível que algum cineasta ousasse transpô-la para a linguagem cinematográfica. Pensava que, caso ocorresse, provavelmente seria de forma tão diluída que perderia todo seu significado. À época de sua pré-produção, lembrei-me do caso ocorrido com Jerry Lewis e seu projeto “The Day the Clown Cried” (O Dia em que o Palhaço Chorou), que causou enorme polêmica no início da década de setenta, levando-o a nunca lançá-lo comercialmente.

Lewis buscava demonstrar aos críticos seu talento como ator dramático, porém escolheu um tema “espinhoso”. Ele interpreta Helmut Doork, um simplório palhaço alemão que é expulso de um campo de concentração nazista após debochar de Hitler. Como castigo, vê-se forçado a entreter as crianças destinadas à morte nas câmaras de gás. Basta imaginar esta sinopse, para sentirmos um frio na espinha. Extremamente corajoso, porém terrivelmente mórbido. O filme foi completado e alguns produtores chegaram a assistir o corte bruto, inclusive sua roteirista Joan O´Brien, que ficou chocada com o resultado. O fato é que a obra tornou-se mítica com o passar dos anos, com os fãs (no que me incluo) desesperados para assistirem-no. Alguns dizem que após o falecimento de Jerry, o filme talvez seja liberado, mas acredito que infelizmente nunca teremos acesso ao material (existem várias fotos da produção, o roteiro em inglês e até alguns curtos vídeos de bastidores disponíveis na internet).

Felizmente, a trama do filme de Mark Romanek é fiel ao livro original, contando a trágica jornada de crianças clonadas, que são criadas, isoladas da sociedade, para serem futuras doadoras de órgãos. Indiferentes ao cruel processo, elas vivem uma rotina de brincadeiras e inocentes flertes românticos. Ao atingirem a idade adulta, passam a doar seus órgãos até que não suportem mais e “concluam” (morram). Na obra, os personagens não possuem sobrenome, apenas um “H.” que representa o brasão da “escola” onde vivem. A repressão ao individualismo encontra sua fuga (a natureza sempre encontra um caminho) no simbólico berro desesperado que o personagem vivido por Andrew Garfield emite em dois momentos distintos. A questão final que a obra apresenta é engenhosa, pois passamos a duração do filme lamentando o destino dos jovens, escravos de uma vida curta, porém esquecemo-nos de que muitas vezes desperdiçamos a nossa própria existência, inclusive dando pouco valor àqueles que mais amamos. Como a protagonista (Carey Mulligan) questiona em certo momento: “Será que a vida das pessoas normais é tão diferente da nossa?”. Eles são como nós, mais preocupados em suprir suas carências afetivas antes do fim, do que com a própria morte (que é a única certeza, em ambos os casos).

O filme termina e sentimos o louco desejo de aproveitarmos cada segundo de nossas vidas, apreciando cada pequeno detalhe. Como os geniais membros do “Monty Python” afirmaram na letra de “Always Look on the Bright Side of Life”: “A vida é bem absurda e a morte é a palavra final, você deve sempre encarar a cortina com uma reverência… Dê para a plateia um sorriso. Divirta-se, pois esta é sua última chance mesmo”.

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