segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Saudade de Mazzaropi


O jovem brasileiro que hoje, devido às facilidades de um mundo moderno, adquire uma câmera de vídeo, junta suas ideias em um roteiro e as filma, carrega dentro de si (mesmo sem saber) a chama inspiradora de Amácio Mazzaropi.

As crianças que acompanhavam seus pais nas suas pomposas estreias nas décadas de sessenta e setenta, não haviam testemunhado o auge dos estúdios “Atlântida” e “Vera Cruz”. Para elas, cinema era coisa de Hollywood, uma cara brincadeira de americanos e europeus. O cinema nacional amargava seu pior período, vivendo a ressaca de décadas em uma busca desesperada por identidade. As chanchadas da “Atlântida” divertiam, realizando verdadeiros milagres com seus escassos recursos (incluindo equipamentos de segunda mão), porém eram essencialmente paródias mal acabadas de sucessos americanos. Já na época da “Vera Cruz”, existia um desejo de que as obras refletissem o povo brasileiro, com filmes autorais (e qualidade técnica superior aos de outrora). O grande problema é que suas produções continuavam se tratando de grandes cópias do estilo americano e europeu, como “O Cangaceiro” (bebia da fonte dos Westerns). Inegável sua importância, porém também não se pode negar que se tratava de uma canhestra busca por uma identidade nacional cinematográfica. Levando em consideração que o “Cinema Novo” também parasitava tremendamente as produções europeias da época (o neo-realismo italiano e a nouvelle vague francesa, especialmente), podemos de maneira justa afirmar que, até poucas décadas atrás, o único cinema genuinamente brasileiro foi o de Mazzaropi.

Amácio iniciou em produções da “Vera Cruz” e acabaria se apropriando de seus estúdios (em 1958, após sua falência), formando sua própria produtora: “PAM Filmes”. Essas produções eram tecnicamente falhas, com algumas atuações fracas e enredos simples, porém realizados com extrema paixão. O público sentia isso e lotava os cinemas. Famílias viajavam por horas e aguentavam filas enormes, apenas para assistir uma hora e meia do puro humor caipira. Obras populares feitas com dinheiro do próprio bolso do cineasta, filmadas na maioria das vezes em sua própria fazenda. Produtor de si mesmo, ele conhecia muito bem seu público e o respeitava. A crítica especializada (atenta aos erros técnicos, porém cega perante sua importância para a necessária formação de uma indústria) tratava-o como escória a ser pisoteada a cada ano. Em entrevista para a revista “Veja” no início da década de setenta, amargurado afirmou: “conte minha verdadeira história, (…) de um ator bom ou mau que sempre manteve cheios os cinemas. (…) Que nunca recebeu uma crítica construtiva da crítica cinematográfica especializada – crítica que se diz intelectual. Crítica que aplaude um cinema cheio de símbolos, enrolado, complicado, pretensioso, mas sem público. A história de um cara que pensa em fazer cinema apenas para divertir o público, por acreditar que cinema é diversão e seus filmes nunca pretenderam mais do que isto”.

A realidade é que mesmo sendo um cinema barroco, simples e ingênuo, longe dos padrões de qualidade que a crítica costuma buscar, existe algo no cinema de Mazzaropi que nenhum outro cineasta brasileiro (mesmo os mais estudados) conseguiu alcançar. Talvez nem o próprio soubesse discernir este elemento, que atraía seu público e que o mantém vivo até hoje. Basta olhar seus filmes e em poucos minutos descobre-se tal elemento: Raça. Garra. A habilidade invejável de virar as costas para os detratores e seguir seu caminho, realizando exatamente o que seu coração deseja.

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