sábado, 20 de junho de 2015

Sétima Arte em Cenas - "Tubarão"


Tubarão (Jaws – 1975)
É desnecessário abordar a importância do filme para a indústria americana, um sucesso que transformou Steven Spielberg, do dia para a noite, em um sinônimo de espetáculo lucrativo. Acho encantadora a essência de filme B que é exalada em cada poro da produção, algo que o diretor buscava conscientemente, uma coragem revigorante em explorar os medos primitivos do homem, optando por se amparar generosamente na insinuação, o terror que se esconde. Ao ignorar boa parte da gordura extra do livro, o roteiro acaba se transformando no estudo objetivo do conflito eterno contra o desconhecido, o monstro sem propósito e imprevisível, o tubarão que, assim como a vida, carrega para a morte os corpos que se debatem alegremente na superfície.

O personagem interpretado por Robert Shaw, como o Ahab de Melville, vive apenas para encontrar seu nêmesis marítimo, uma criatura de olhos sem vida, um misto de Moby Dick e do trágico peixe de “O Velho e o Mar”, de Hemingway. O tubarão é uma máquina assassina natural, diferente do homem, ser racional, que mata seus iguais por esporte. Esse elemento foi destruído nas péssimas continuações, que transformaram o animal em uma espécie de Jason Voorhees, mas, no original, por mais que o número de vítimas aumente gradativamente, o tubarão está em seu ambiente, que é invadido pelos humanos, estimulados por um prefeito inconsequente em seu desejo de transformar a pequena cidade em um ponto turístico interessante. Não é apenas um confronto clássico do homem contra a natureza, mas, principalmente, um confronto da ganância humana contra o próprio homem, representado pelo ético policial Brody (Roy Scheider), e contra a natureza. A caçada é trágica, porém, necessária, como a extinção dos dinossauros no planeta, analogia sublinhada pela utilização sonora do rugido de um dinossauro no momento em que a criatura é destruída, exatamente como ocorre na destruição do caminhão, o monstro de seu filme anterior: “Encurralado”.

E esse conflito só funciona graças a um roteiro que inteligentemente entrega tridimensionalidade ao personagem vivido por Scheider. A minha cena favorita é breve, ocorre logo depois que o policial é agredido pela mãe de uma vítima. Ele estava se sentindo péssimo, psicologicamente alquebrado, já que se culpava por aquela morte. Quando penso em “Tubarão”, minha mente me conduz à emocionante interação entre pai e filho, na mesa de jantar. O menino que imita cada gesto do pai, o seu herói, ignorando os problemas que ele enfrenta. Brody entra na brincadeira, pedindo um beijo. A criança pergunta a razão, no que ele responde: “Eu preciso”. A sensibilidade na condução da cena é uma demonstração da competência de Spielberg.

* O livro de Peter Benchley, que foi adaptado por Spielberg, está sendo relançado no Brasil, em edição de luxo, pela editora “Darkside Books”.

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