quarta-feira, 17 de junho de 2015

"Estamos Todos Bem", de Giuseppe Tornatore


Estamos Todos Bem (Stanno Tutti Bene - 1990)
Esse lindo filme, delicado e sensível como poucos, acabou ficando eclipsado pelo sucesso mundial de “Cinema Paradiso”, projeto anterior do diretor Giuseppe Tornatore. Existe uma fraca refilmagem americana, com Robert De Niro, de 2009, intitulada “Estão Todos Bem”. A trama acompanha a viagem de Matteo, vivido por Marcello Mastroianni, que, aos setenta e quatro anos e viúvo, busca visitar seus amados cinco filhos, já que eles sempre inventam desculpas para não irem ao encontro dele. Tudo o que ele desejava era ter a companhia deles na mesa de jantar, perceber que eles se interessam por suas divagações. A carência dele se mostra na forma como ele sempre pede, até para estranhos, que perguntem algo, que demonstrem curiosidade sobre eventos que ele havia acabado de insinuar. É um recurso que funciona como alívio cômico, mas, em sua essência, encerra um simbolismo mais profundo.

A saudade do homem é transmitida com uma beleza que nos impele a retroceder a cena e rever com mais atenção, como no reencontro dele com sua filha, onde, sem cortes, num truque simples, a câmera rejuvenesce a mulher, que corre até o pai, porém, quando chega ao final de uma escadaria, quem sorri para ele é sua contraparte infantil. É um leitmotiv visual que se repete várias vezes, evidenciando que, aos olhos dele, seus filhos sempre serão aquelas crianças inseguras que, outrora, estendiam ternamente suas mãozinhas antes de atravessarem a rua. Seus óculos, lentes fundo de garrafa, deixam seus olhos enormes, simbolizando a sua visão distorcida de sua própria realidade, o seu abraço apertado consciente na ilusão. Ele quer acreditar que seus filhos estão vivendo confortavelmente, tendo realizado seus sonhos pessoais e profissionais.

“Não eduque seu filho para ser alguém, mas, sim, ensine-o a ser como uma pessoa qualquer”.

Em uma poética cena na praia, que nos remete aos melhores trabalhos de Fellini, Tornatore faz com que o homem, em seu passado, veja seus filhos sendo levados por um grande balão negro. O maior medo dele era perder sua família, algo que foi intensificado após o falecimento da esposa. O diretor flerta até com o surrealismo de Buñuel, mostrando um engarrafamento no trânsito, causado por um imponente alce que se mantém no centro da rua, sendo admirado por todos os motoristas. Com um filtro azulado, a fotografia de Blasco Giurato ajuda a transmitir a solidão do pai em algumas cenas específicas, como no desabafo dele no salão de dança. Sua parceira, uma mulher que ele havia acabado de conhecer, afirma com tristeza que foi colocada em um asilo por seus filhos. O olhar dela reflete sua resignação, sentimento que tenta, sem sucesso, legar ao novo amigo. Ele é muito orgulhoso para aceitar a dissolução de sua família, sua mão ainda sente o toque carinhoso de sua esposa, como o roteiro nos mostra na breve e emocionante cena no quarto de hotel.

No desfecho ficamos entendendo a razão do afastamento dos filhos, algo que não irei revelar no texto, para não estragar a experiência. É um filme que merece ser visto e revisto por toda a vida. Uma mensagem simples e poderosa, emoldurada pela linda trilha sonora de Ennio Morricone, que pode ser resumida na piada que o pai conta em vários momentos: “O vinho também se faz com uvas”, ressaltando o óbvio: você pode se esforçar o máximo possível na criação de seus filhos, com plena dedicação e amor, que, a despeito de suas melhores intenções, não há maneira de se prever o futuro, não há fórmula mágica, não há segredo. Viver é a maior aventura, uma jornada de surpresas em direção ao desconhecido.

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