sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Evoluímos no "Planeta dos Macacos"?


Tudo começou com o livro do francês Pierre Boulle, uma intrincada fábula com extremo senso de humor, sobre a tripulação da primeira nave a fazer um voo intersideral, em 2500. O objetivo da viagem era encontrar a gigantesca estrela Betelgeuse, distante da Terra trezentos anos-luz. Ao descobrirem a existência de um planeta que se movia numa trajetória semelhante ao nosso, decidiram visitá-lo. Encontraram homens selvagens e primitivos sendo caçados por primatas inteligentes e que se comportavam tal como os terráqueos. No livro, o astronauta voltava ao planeta Terra após várias aventuras. Já no filme, numa inteligente mudança no roteiro, descobre-se que aquele planeta dominado por macacos era a própria Terra, após os humanos a destruírem com suas guerras nucleares.

O que no livro era apenas um conto divertido de ficção sem maiores pretensões, no cinema se tornou uma poderosa crítica social e atemporal. "O Planeta dos Macacos" (The Planet of the Apes - 1968), dirigido por Franklin J. Schaffner é estruturalmente perfeito. Personagens carismáticos (quem esquece o casal de chimpanzés Zira e Cornelius, vividos por Kim Hunter e Roddy McDowall?), construção inteligente de suspense durante os primeiros quinze minutos, fazendo-nos lentamente sentir parte da tripulação que chega naquele mundo inóspito, um ritmo que dificilmente seria repetido nos tempos de hoje, onde o público está bitolado em aceitar apenas edições frenéticas, fazendo com que na famosa cena da caçada humana sejamos surpreendidos tanto quanto os próprios personagens. Vilões maravilhosos como o Dr. Zaius de Maurice Evans e um desfecho que eu daria tudo para presenciar no cinema na época. Hoje, a imagem icônica dos destroços da estátua da liberdade na praia já foi vítima de muitas paródias e seu efeito se banalizou, porém em sua época causou enorme espanto. Vale ressaltar também a excelente trilha sonora de Jerry Goldsmith, inspirada no trabalho de Stravinsky, especialmente "Le Sacre du Printemps", com a inovadora utilização de tigelas de metal como instrumentos de percussão, além de outras opções curiosas, como a cuíca brasileira representando o som emitido pelos símios, criando uma identidade musical primitiva, ainda que pouco melódica, porém coerente com a trama.

"O Planeta dos Macacos: A Origem" se preocupou demais com a perfeição técnica, o ilusório realismo da computação gráfica, mas falhou em adicionar alma aos personagens, verdadeiras tiras de cartolina que caminham pelas páginas do fraco roteiro, defendendo diálogos banais que somente soam interessantes quando referenciam explicitamente as cenas do original. Já "O Planeta dos Macacos: O Confronto", que acaba de estrear nos cinemas nacionais, é um produto muito melhor, mas ainda assim um divertimento que esquecemos minutos depois dos créditos finais. Meu gosto pessoal, passional e racionalmente, reside no original que inteligentemente sabia rir de si mesmo, que não precisava de cenas de ação vertiginosa em câmera lenta para instaurar um senso de perigo, que contava com a presença forte de Charlton Heston no auge de seu histrionismo. A humanidade teria involuído em pouco mais de quarenta e cinco anos? A comodidade da indústria cinematográfica americana seria um reflexo dessa sociedade? Parafraseando o astronauta Taylor (mérito do excelente roteiro de Michael Wilson, de "Um Lugar ao Sol", "Lawrence da Arábia" e Rod Serling, responsável pela série "Além da Imaginação"), antes de descobrir-se em um mundo novo em seu futuro: "O homem, esta maravilha do universo, este glorioso paradoxo que me enviou às estrelas, continua guerreando contra seus irmãos? Continua deixando os filhos de seus vizinhos perecerem pela fome?". Os novos empalidecem perante esse refinamento.

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