quarta-feira, 19 de novembro de 2014

"A Morada da Sexta Felicidade", de Mark Robson


A Morada da Sexta Felicidade (The Inn of the Sixth Happiness – 1958)
Existem dois pontos que considero muito relevantes nesse épico injustamente pouco lembrado do diretor Mark Robson, dois momentos que compensam o equívoco do interesse romântico forçado e sem química entre a missionária Gladys Aylward, interpretada por Ingrid Bergman, e o soldado chinês vivido pelo alemão Curd Jürgens. 

A jovem inglesa que consegue fazer o impossível, resgatando e zelando pela segurança das crianças chinesas no período opressivo da guerra, conduzindo-as numa exaustiva e perigosa caminhada através das montanhas para um local seguro, havia sido inicialmente impedida de realizar seu sonho por não ter as qualificações necessárias para o trabalho. Ela precisou lutar para conseguir o dinheiro para a viagem, além de ter que se contentar com o trabalho de doméstica em uma hospedaria numa aldeia remota. Situação que conduz diretamente para o segundo momento, que ocorre no terceiro ato, um discurso belíssimo de Robert Donat, que estava muito doente e morreria pouco tempo depois, interpretando o Mandarim que, profundamente comovido com a força do espírito inquebrantável daquela jovem, declara a ela sua conversão para o cristianismo, fazendo questão de que aquela informação constasse nos escritos de seu povo. 

O roteiro e a atuação evidenciam que aquele gesto simbólico não feria ou desrespeitava suas crenças pessoais, apenas sublimava o conceito de religião como um elemento que, pela sua etimologia, existe como um laço de piedade com o propósito único de religar os seres humanos ao conceito subjetivo do divino, algo maior do que os dogmas de qualquer ideologia religiosa. E é bonito que essa cena, exatamente a última gravada pelo ator, seja uma despedida. Entrevistado para a biografia do ator, o diretor afirmou que todos na equipe sabiam que ele estava utilizando suas últimas energias naquele trabalho. É possível notar essa aura de transcendência na cena. A emoção de Bergman é real, enquanto escuta seu esforçado colega afirmar que eles não se veriam novamente. Donat, sempre lembrado por “Os 39 Degraus” de Hitchcock, estava sem trabalhar por longos cinco anos, mas mostrava-se orgulhoso de poder morrer fazendo aquilo que mais amava, em um projeto tão bonito.

* O filme está sendo lançado em DVD pela distribuidora "Classicline".

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