sexta-feira, 30 de setembro de 2016

"Stonewall - Onde o Orgulho Começou", de Roland Emmerich


Stonewall - Onde o Orgulho Começou (Stonewall - 2015)
A crítica norte-americana destruiu o filme em textos rasos, o que sinceramente vejo como preguiça profissional, talvez motivada pelo fato do diretor Roland Emmerich ter construído uma persona pública como um especialista em produções tolas sobre o fim do mundo, fracos roteiros dependentes do excesso de computação gráfica, obras indefensáveis como “O Dia Depois de Amanhã”, “2012” e o inofensivamente divertido “Independence Day”. Mas essa constatação injustamente ignora alguns de seus bons momentos, como “Soldado Universal”, “Stargate”, “O Patriota” e a pérola sci-fi pouco lembrada: “Estação 44 – O Refúgio dos Exterminadores”.

No caso de “Stonewall”, a direção é correta, o roteiro de Jon Robin Baitz é simples e honesto, as atuações são muito boas, com destaque pra Jonny Beauchamp, que se equilibra com desenvoltura numa linha tênue que poderia pender para a caricatura, a execução funciona como recorte histórico de um evento importante e pouco discutido, sem cair na armadilha do didatismo careta, ou apelar para o melodrama, resultando, ao levar em conta o risco fora da zona de conforto criativa, no projeto mais interessante na filmografia do cineasta.

Se alguns alívios cômicos podem soar óbvios, o texto atinge o nervo em cenas como a do ensinamento das ruas, quando o jovem interiorano, vivido por Jeremy Irvine, tem sua ideologia abalada pela realidade na cidade grande, “nunca vi um sonho se realizar nessa rua”, direto ao ponto, sem firulas para agradar pseudointelectuais, dá o recado sem maiores pretensões. E essa despretensão é um dos méritos do filme, que não tenta se vender como uma espécie de documentário grandioso (já existe um excelente no tema: “Stonewall Uprising”, de 2010), o foco está no relacionamento entre os personagens, na sensação de solidão, no amor não correspondido, na angústia que precede a tempestade social no terceiro ato, aspectos abordados com franqueza enriquecida com toques de bom humor. Até mesmo a apatia do protagonista, alguém em processo de autoaceitação homossexual, vai gradualmente ganhando contornos tridimensionais, quando ele percebe que a raiva é um caminho válido para explorar seus sentimentos e, com sorte, encontrar nesse garimpo existencial um indivíduo que orgulhosamente se imponha sem medo perante seus iguais.

Ao estabelecer personalidades carismáticas que conquistam o investimento emocional do espectador, cenas como a do simbólico ato do tijolo arremessado, a fagulha que inicia o incêndio da revolta pelos direitos LGBT, ganham ainda mais peso dramático. Vale destacar a analogia entre o falecimento de Judy Garland, dias antes dos protestos explodirem, com o arco narrativo do rapaz do Kansas, descobrindo um mundo novo e perigoso, em essência, um conto de amadurecimento, elemento lúdico que é trabalhado pela fotografia de Markus Förderer, propositalmente artificial nas cenas externas.

Um bom filme que merece ser prestigiado por aquilo que se propõe a entregar.

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