Stonewall - Onde o Orgulho Começou (Stonewall - 2015)
A crítica norte-americana destruiu o filme em textos rasos,
o que sinceramente vejo como preguiça profissional, talvez motivada pelo fato
do diretor Roland Emmerich ter construído uma persona pública como um
especialista em produções tolas sobre o fim do mundo, fracos roteiros dependentes
do excesso de computação gráfica, obras indefensáveis como “O Dia Depois de
Amanhã”, “2012” e o inofensivamente divertido “Independence Day”. Mas essa
constatação injustamente ignora alguns de seus bons momentos, como “Soldado
Universal”, “Stargate”, “O Patriota” e a pérola sci-fi pouco lembrada: “Estação
44 – O Refúgio dos Exterminadores”.
No caso de “Stonewall”, a direção é correta, o roteiro de
Jon Robin Baitz é simples e honesto, as atuações são muito boas, com destaque pra
Jonny Beauchamp, que se equilibra com desenvoltura numa linha tênue que poderia
pender para a caricatura, a execução funciona como recorte histórico de um
evento importante e pouco discutido, sem cair na armadilha do didatismo careta,
ou apelar para o melodrama, resultando, ao levar em conta o risco fora da zona
de conforto criativa, no projeto mais interessante na filmografia do cineasta.
Se alguns alívios cômicos podem soar óbvios, o texto atinge
o nervo em cenas como a do ensinamento das ruas, quando o jovem interiorano,
vivido por Jeremy Irvine, tem sua ideologia abalada pela realidade na cidade
grande, “nunca vi um sonho se realizar nessa rua”, direto ao ponto, sem firulas
para agradar pseudointelectuais, dá o recado sem maiores pretensões. E essa
despretensão é um dos méritos do filme, que não tenta se vender como uma espécie
de documentário grandioso (já existe um excelente no tema: “Stonewall Uprising”,
de 2010), o foco está no relacionamento entre os personagens, na sensação de
solidão, no amor não correspondido, na angústia que precede a tempestade social
no terceiro ato, aspectos abordados com franqueza enriquecida com toques de bom
humor. Até mesmo a apatia do protagonista, alguém em processo de autoaceitação
homossexual, vai gradualmente ganhando contornos tridimensionais, quando ele
percebe que a raiva é um caminho válido para explorar seus sentimentos e, com
sorte, encontrar nesse garimpo existencial um indivíduo que orgulhosamente se
imponha sem medo perante seus iguais.
Ao estabelecer personalidades carismáticas que conquistam o
investimento emocional do espectador, cenas como a do simbólico ato do tijolo
arremessado, a fagulha que inicia o incêndio da revolta pelos direitos LGBT, ganham
ainda mais peso dramático. Vale destacar a analogia entre o falecimento de Judy
Garland, dias antes dos protestos explodirem, com o arco narrativo do rapaz do
Kansas, descobrindo um mundo novo e perigoso, em essência, um conto de
amadurecimento, elemento lúdico que é trabalhado pela fotografia de Markus
Förderer, propositalmente artificial nas cenas externas.
Um bom filme que merece ser prestigiado por aquilo que se
propõe a entregar.
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