terça-feira, 21 de junho de 2016

Sobre o caso do estupro coletivo...

Nada justifica um estupro. Uma frase tola, óbvia, mas que ainda encontra opositores em uma sociedade estupidamente machista como a nossa, onde o analfabetismo funcional é uma realidade até mesmo entre adultos com curso superior. O único contra-argumento aceitável é aquele que questiona se o caso foi realmente um estupro, ou algo que teria iniciado como uma orgia consensual, em que o crime teria sido o ato de divulgar as imagens. E existem rumores que sustentam esse contra-argumento, fotos e testemunhos que sinalizam uma atitude excessivamente promíscua da menina, que teve filho aos doze anos e que já estaria acostumada a se relacionar sexualmente com grupos de sua comunidade. O caso é que as imagens tomaram a internet de assalto, ocasionando até mesmo uma discussão sobre o que chamam de cultura do estupro, com direito a campanha com fotos personalizadas nas redes sociais.

O que vejo, como sempre digo, é o resultado de um total desinteresse de grande parte dos brasileiros pelo autoaprimoramento constante, um desprezo acachapante pelo “ser”, uma busca desesperada pelo “parecer ser”. O governo com sua década de discursos populistas ajudou nessa falácia, estimulando o indivíduo pobre a acumular dívidas para ter sempre o smartphone da moda, relógio de ouro e o tênis mais caro, símbolos equivocados de um utópico fim da desigualdade social, ao invés de estimular que ele procurasse ler mais, para que se expressasse melhor e, por conseguinte, fosse mais respeitado como cidadão. Qual governo realmente se interessa em formar um eleitorado inteligente, ainda mais quando o voto é absurdamente compulsório?

Na realidade triste dessa adolescente do caso que cito, o ídolo é o dono da boca do tráfico, o descolado é tirar foto segurando metralhadora e fazendo biquinho sensual, livro não serve nem como porta-copo, a língua que se fala é um dialeto empobrecido que pouco tem a ver com o português, o som que rola é funk carioca no volume mais alto, durante a madrugada, sem respeito pelos vizinhos, com letras que celebram violência, pedofilia e sexo da forma mais vulgar, o barato de fim de baile é contabilizar coitos. Quando a patricinha tonta festeja sua formatura dançando até o chão com esse barulho ritmado (eu me recuso a chamar de música), com letras suavizadas para o público externo, ela está aplaudindo inconscientemente essa mediocridade cultural, dignificando a pobreza de espírito.

O que ocorre no Brasil é uma sexualização precoce promovida por todas as mídias, nós somos conhecidos mundialmente por isso, o gringo visita nossas terras pra apreciar nossas mulatas, somos a rota preferencial para turismo sexual. Não devemos apenas nos envergonhar profundamente disso, mas, também, procurar remar contra essa corrente. Como? Primeiro passo: estimular a parentalidade responsável, especialmente nas comunidades carentes, o entendimento de que um filho não pode ser apenas a satisfação de um egoísta capricho emocional. Segundo passo: resgatar valores elegantes, ensinar diariamente pelo exemplo, buscar a coerência no discurso, propagar na vida real e na virtual um respeito pelo próximo, um cuidado carinhoso com o que se diz e o que se posta. Terceiro passo: valorizar a memória cultural, em todas as suas vertentes, o apreço pelo passado, para que possamos entender melhor o presente e projetar um futuro que nos orgulhe. Quarto passo: ao invés de comprar uma bola de futebol e uma camiseta do time para o filho pequeno, uma espécie de padrão nacional, compre livros, leve ele ao teatro infantil e faça sessões de filmes em casa. A cultura conforta e traz segurança, incentiva e ensina um leão a disciplinar seu rosnado. Quinto passo: a criança inicia imitando o que ela vê, então dê o exemplo, escute música de qualidade em casa, evite brigas matrimoniais em sua presença, leia com frequência, para que a criança veja o livro como um amigo de aventuras, enfim, aja como um adulto responsável que se preocupa com o autoaprimoramento constante. Dito isso, uma coisa é certa, mudar a foto do perfil na rede social pra campanha da moda não ajuda em nada.

Com relação ao caso midiático que originou esse texto, acredito que a real cultura que deve ser exterminada é a da impunidade. Se a garota foi dopada e foi vítima de um estupro coletivo, que todos os rapazes sejam punidos da forma mais severa possível. Se ela estava chapada por vontade própria e conscientemente participando de uma orgia, que os rapazes que cometeram o crime de divulgação das imagens sejam punidos da forma mais severa possível. O mais importante é que o caso suscitou uma reflexão importante, que não pode ser esquecida em alguns dias, como sempre ocorre com esses rompantes de consciência do brasileiro. Muitas das soluções para os absurdos mais vergonhosos em nossa sociedade estão em simples mudanças de conduta. A submissão da mulher começa muitas vezes no seio familiar, com a própria mãe ensinando que a filha deve limpar a casa e ser sustentada no futuro pelo marido. O próprio ritual do casamento católico já é alimentado em sua essência pelo machismo, Eva foi causadora de todos os males. A objetificação da mulher é estimulada no axé e no funk que os pais aplaudem sorridentes, o vídeo da menina dançando “pega no peitinho, pega na bundinha”. O Brasil não é vitimado pela cultura do estupro, como ocorre com os países islâmicos, onde o crime não pode ser provado a não ser que quatro homens deponham como testemunhas, a nossa nação é vitimada pela cultura da imbecilização.

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