Um Só Pecado (La Peau Douce – 1964)
François Truffaut, com a discrição usual de todo cavalheiro,
verdadeiramente amava as mulheres, especialmente aquelas que protagonizavam
seus filmes. A sua câmera percorria os corpos delas, com a admiração de um
poeta por sua musa. E nenhum outro projeto em sua carreira foi tematicamente
tão pessoal quanto “Um Só Pecado”, como ele mesmo definia: a autópsia de um adultério.
Aquela sensação trabalhada tão bem por David Lean em seu “Desencanto”, o amor
que nasce indiferente aos rituais conformistas da sociedade.
Ele deixa de lado a ternura inerente aos seus filmes
anteriores, optando por um enfoque mais sombrio e linear, no roteiro que escreveu
com Jean-Louis Richard, o que explica a reação negativa do público na época. O
escritor de meia-idade, vivido por Jean Desailly, um homem erudito, casado com
uma bela mulher e pai de uma menina, conhece em uma viagem uma jovem comissária
de bordo, a estonteante Françoise Dorléac. Truffaut compartilha com o público
sua adoração pelas pernas femininas, mostrando a personagem, parcialmente
coberta pela cortina próxima à cabine dos pilotos, trocando seu sapato comum
por um sensual salto alto. Esse gesto sutil, que revela o potencial sedutor
daquela atraente desconhecida, encanta o voyeur. Quando penso na trama, reverencio
a beleza sutil da cena do encontro do casal no elevador, com o tempo dramático
substituindo o tempo real, emoldurando a troca de olhares, alguns poucos
andares que, para os dois, parece durar uma eternidade. No retorno solitário do
homem ao seu andar, a desinteressante realidade se faz presente, com a câmera
em primeira pessoa presenteando o público com o retorno do chato tempo real.
A pele macia, delicada, do título original, confrontada pelo
desejo natural que é controlado pelas rédeas sociais, o conceito de pecado, o risco,
o beijo que a câmera registra nas sombras, o jogo de emoções fortes que faz
parte da rica experiência humana. O diretor consegue construir algo que foge
aos julgamentos morais, uma visão intensamente madura, uma obra que merece
maior reconhecimento.
* O filme está sendo lançado em DVD, em versão restaurada,
pela distribuidora “Versátil”, na caixa “Nouvelle Vague”, que contém ainda,
além de excelentes documentários, os filmes: “O Ano Passado em Marienbad”, “Os
Libertinos”, “Banda à Parte”, “A Baía dos Anjos” e “Paris nos Pertence”.
COM UM ARGUMENTO TRIVIAL, TRUFFAUT REALIZOU UMA OBRA PRIMA DO CINEMA.
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