sexta-feira, 21 de agosto de 2015

"A Hora da Estrela", de Suzane Amaral


A Hora da Estrela (1985)
Não é difícil concluir que essa linda adaptação de Suzane Amaral para o livro de Clarice Lispector, fiel à essência e eficiente em sua execução, seja o melhor filme nacional da década de oitenta, verdadeira flor no asfalto, um período historicamente vergonhoso em nossa cinematografia, ainda que projetos superestimados como “Pixote, a Lei do Mais Fraco” e “Memórias do Cárcere” tenham seus ardorosos defensores. Vale destacar também a boa fotografia de Edgar Moura, que, pela desgraça de nosso vazio enquanto indústria de cinema, posteriormente desperdiçou seu talento em produções bizarras protagonizadas pela Xuxa. O único desafiante a esse posto, outra pérola pouco lembrada, “Filme Demência”, do saudoso Carlos Reichenbach, merece menção honrosa.

A sensibilidade do roteiro, que trabalha com uma simplicidade pouco usual no período, uma época em que todos os cineastas brasileiros pareciam tentar emular a cacofonia visual de Glauber Rocha, que, por sua vez, emulava os experimentos franceses, cativa o espectador logo nas primeiras cenas, quando conhecemos a protagonista: Macabéa, vivida por Marcélia Cartaxo, a “datilógrafa virgem que gosta de Coca-Cola”. Uma nordestina de coração puro, ingênua e que ainda não aprendeu a ser escrava dos cosméticos, o rígido padrão de beleza que rege a sociedade, praticamente um bebê jogado na selva de pedra, tentando sobreviver ao amargor dos homens. Ao se apaixonar, sentimento que tateia no escuro âmago de sua existência, quer a todo custo evitar o silêncio, por medo de que o outro, aquela imagem projetada de seus sonhos, implacavelmente se desfaça no ar de suas castigadas ilusões, então, na falta de assunto, afirma que gosta muito de parafuso e prego. Como Kaspar Hauser, ela não foi habituada ao convívio social, sem o discernimento necessário para se precaver ante a crueldade do mundo, vive de devaneios pueris, com seu reflexo no espelho mostrado sempre embaçado, detalhe importante e que agrega maior simbologia à trama.

A hora de sua estrela brilhar, o despertar de uma tímida esperança, sentimento que nunca teve coragem de estimular, envolve o desfecho agridoce com um manto de ternura. A tristeza final, em estranha alquimia, acaba se transformando na mais graciosa beleza, já que, analisando os monstros cruéis que a rodeavam, o generoso acaso a presenteou com a negação definitiva do conceito de humanidade torta que, ainda hoje, parte desalmadamente os corações genuinamente bons.  

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