quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

A Desigualdade nas Salas de Cinema

É válido reclamar da voracidade com que os blockbusters americanos invadem nossas salas de cinema, mas é preciso tomar cuidado para que o discurso não descambe para um conceito de patriotismo tolo. Como exemplo, o recente novo produto da franquia "Jogos Vorazes", estreou no Brasil em 1.340 salas, mais de 40%, um número expressivo. É praticamente uma imposição. Aquele cinéfilo menos dedicado, que deixa pra decidir a sessão na fila, dificilmente escolherá outro filme.

A indústria americana conquistou essa predominância ao longo de décadas plenamente dedicadas na construção e, mais importante, na manutenção da Sétima Arte. Nós preferimos historicamente nos dedicar às novelas, nosso produto de exportação. Eles valorizam o passado, investem no presente e garantem o futuro de sua indústria, com cineastas e produtoras demonstrando preocupação na restauração dos clássicos, na preservação de suas obras. Nós ignoramos o passado, não levamos a sério o presente e pouco nos importamos com o futuro, deixando apodrecer os filmes antigos, em cópias péssimas, com som inaudível e imagem destruída.

Com raras exceções, como o importante lançamento das obras de Glauber Rocha, pela excelente distribuidora Versátil, ou o esforço da Cinemagia, anos atrás, lançando com pompa a obra de José Mojica Marins, aquele que preza a História do cinema nacional fica à mercê de lançamentos obscuros e de péssima qualidade. Os filmes de Mazzaropi, por exemplo, são vendidos em cópias horrorosas. Os clássicos da Vera Cruz, os poucos lançados no mercado, chega a dar pena de tentar assistir. Lá fora, até mesmo os cineastas menos conhecidos, recebem tratamento de primeira qualidade, até com documentários produzidos especialmente para os DVD/Blu-rays. Enquanto não valorizarmos verdadeiramente o nosso cinema, continuarei achando que se resume a despeito essa tentativa de demonizar a presença do cinema americano em nossas salas. Eles fazem por merecer a atenção do mundo nessa área. Nós precisamos, antes de qualquer coisa, arrumar nossa própria casa, para depois querer exigir igualdade.

Querem outro exemplo? Tive a oportunidade recente de entrevistar as filhas de dois dos maiores nomes do cinema mundial: François Truffaut e William Wyler. Nem preciso explicar as razões que os fazem grandes. Entrei em contato com elas e, com extrema gentileza, deram toda a atenção possível para esse escriba, respondendo todas as questões com carinho, exalando profundo respeito pelo trabalho de seus pais. Tentei também o contato com filhos de cineastas brasileiros, cujos nomes obviamente eu não revelarei, mas querem saber como foi? "Eu gostaria de entrevistar você sobre o legado de seu pai, está interessado (a)?" Após muito tempo, chegava uma resposta fria: "Ok". Desisti das entrevistas, voltando minha atenção para os estrangeiros. É broxante. Você percebe que os próprios filhos não se importam em preservar o legado dos pais. Isso é sintomático de tudo o que escrevi nos primeiros parágrafos.

Os cineastas americanos, como George Lucas, Coppola, Scorsese e Spielberg, foram responsáveis por salvar carreiras de diretores de outras nacionalidades, como Akira Kurosawa, quando ele não conseguia financiar seus filmes. Os cineastas nacionais, salvo raras exceções, sequer ajudam seus próprios colegas. Excesso de picuinha e chorumela, carência de generosidade e ousadia. É como aquela velha discussão sobre a presença dos "enlatados" americanos na televisão brasileira. Analise os "novos" programas que as emissoras divulgam a cada semana. A triste realidade é que tiraram o espaço das séries e filmes americanos, mas o que existe hoje são programas brasileiros com formatos criados pelos americanos. Será que nossos produtores não conseguem ter criatividade para elaborar ideias originais? Como podemos reclamar da presença dos americanos na televisão, quando os nossos campeões de audiência são formatos comprados deles? Não temos essa moral.

Eu sonho com um futuro em que as salas de cinema brasileiras deem o mesmo espaço para filmes nacionais e estrangeiros, mas não ficaria feliz de ver uma comédia medíocre nossa tomando o lugar de um "Jogos Vorazes". Não é questão de patriotismo. Temos que desejar que o espaço seja conquistado por mérito. Isso apenas ocorrerá em longo prazo, envolvendo muito mais do que a burocracia de espaço nas salas. A atitude do brasileiro, partindo dos cinéfilos, passando pelos cineastas, até os executivos da área, no que tange sua própria memória cultural, deve se modificar radicalmente.

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