terça-feira, 15 de agosto de 2017

"Ladrões de Sabonete" e "Volere Volare", de Maurizio Nichetti


Ladrões de Sabonete, de Maurizio Nichetti (Ladri di Saponette - 1989)
Maurizio Nichetti é uma espécie de Woody Allen italiano, menos talentoso, menos carismático, mas que compensa na ousadia temática. “Ladrões de Sabonete”, em revisão, funciona melhor na teoria, o esperto jogo em diferentes níveis narrativos homenageando o neorrealismo e criticando duramente a forma como o cinema se tornou subproduto televisivo.

A execução poderia ser menos truncada, o ritmo melhora consideravelmente no terceiro ato, quando os personagens das duas mídias começam a interagir ludicamente. Nos segmentos em que acompanhamos a família diante do aparelho de televisão, dedicando pouca atenção ao filme que está sendo transmitido, o humor atinge seu ponto alto, aquelas pessoas claramente enxergam arte como simples distração imediatista, o texto trabalhado pelos atores na tela pequena tem o mesmo valor dos jingles dos produtos que são vendidos nos intervalos comerciais. Trazendo para a realidade brasileira, é por este motivo que as telenovelas, em essência, serão sempre entretenimento raso, apesar dos valorosos esforços das equipes criativas. 

Nichetti vive o protagonista do drama e, nos segmentos ambientados nos estúdios da emissora, vive ele mesmo, um diretor decepcionado com o pouco caso dos executivos com seu projeto, “Ladrões de Sabonete”, referência ao clássico “Ladrões de Bicicleta”, de Vittorio De Sica. A trama do filme dentro do filme é propositalmente irrelevante, a graça está na forma como a montagem interrompe o investimento emocional do espectador em cenas importantes com a inserção frequente da publicidade em cores vibrantes. Quando a confusão invade o reino da fantasia, emulando “A Rosa Púrpura do Cairo”, que Woody Allen havia lançado quatro anos antes, modificando a obra, o diretor revoltado decide resolver a questão na marra, garantindo alguns bons momentos. Mas, de modo geral, o exercício de estilo acaba chamando mais atenção que o conteúdo. O roteirista/diretor entregaria seu melhor trabalho dois anos depois.


Volere Volare, de Maurizio Nichetti e Guido Manuli (1991)
Eu tenho a vívida lembrança de ter conhecido essa pérola numa exibição televisiva noturna no início dos anos noventa, creio que na Bandeirantes, mas o que me interessava na ocasião era a frequente nudez feminina e a ideia incrível de inserir técnicas de desenho animado neste contexto. Somente pude apreciar melhor a obra em revisão, alugada em VHS anos depois. E agora, na sessão para a preparação deste texto, já conhecendo a filmografia de Nichetti, constato que representa o equilíbrio perfeito entre estilo e conteúdo, o grande problema de seus filmes.

A ideia nasceu após o sucesso mundial de “Uma Cilada para Roger Rabbit”, a trama é insanamente pouco convencional, ele interpreta um tímido sonoplasta de desenhos animados, enquanto o irmão, seu sócio, prefere se encarregar das dublagens de produções eróticas, convocando mulheres maravilhosas para o trabalho que é realizado no melhor estilo “método de atuação de Lee Strasberg”. Angela Finocchiaro vive uma prostituta exótica que se encarrega de satisfazer teatralmente seus clientes, cada um mais doido que o outro, uma artista do sexo, na literal definição do termo. A gradual transformação do sonoplasta em um cartoon, recurso que garante cenas hilárias, simboliza o medo dele diante da possibilidade de contato sensual com o sexo oposto, conceito que cai como luva no tom absurdo do roteiro. Ao contrário de sua amiga ambiciosa, que prioriza clientes ricos, Martina (Finocchiaro) encara seu trabalho como uma missão socialmente relevante, já que permite que loucos extravasem nela sua psicopatia, em variados níveis de periculosidade, de forma inofensiva para a sociedade, elemento que a humaniza sobremaneira.

É fascinante a opção por fazer do tradicional final feliz um abraço sem concessões no surreal, com a divertida entrega dela às possibilidades do sexo com o cartoon, ao invés do caminho óbvio narrativo da solução para o bizarro problema. Uma comédia que jamais seria lançada nos dias de hoje, um sopro de ar fresco em um gênero usualmente escravo da repetição. 

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