quarta-feira, 26 de abril de 2017

"Zero de Conduta", de Jean Vigo


Zero de Conduta (Zéro de Conduite - 1933)
É um exercício interessante analisar como esse média-metragem influenciou o mundo da arte, em suas várias vertentes. “Os Incompreendidos”, o nascimento da Nouvelle Vague pelas mãos de François Truffaut, referência mais óbvia, conta até com uma homenagem direta na sequência que acompanha o grupo de crianças se perdendo conscientemente pela cidade, quando deveriam seguir o mestre, quebrando o código de conduta. Você pode enxergar inspiração também em “If”, de Lindsay Anderson, “The Wall”, disco seminal do grupo Pink Floyd, ou no filme adolescente “Clube dos Cinco”, de John Hughes. O roteirista/editor/diretor francês Jean Vigo faleceu antes dos trinta anos, mas deixou um legado precioso. Com menos de três horas, reunindo todos os seus trabalhos, o rapaz simplesmente redefiniu as regras do jogo.

O tema sempre me agradou, li na infância “Os Meninos da Rua Paulo”, de Ferenc Molnár, experiência que gravou em minha mente várias passagens até hoje, o conceito de utilizar crianças se rebelando é pleno em simbologia, como se a pureza de caráter se revoltasse contra o corruptível mundo adulto. Paulo Emílio escreveu dois livros sobre a obra de Vigo, verdadeiros tesouros, abordando até mesmo a influência do pai na vida profissional do filho. Mas ver “Zero de Conduta” automaticamente surpreende pelo frescor de estilo, não há sinal de pedantismo desejoso de aceitação pelos intelectuais, a abordagem é despida de tudo aquilo que não é natural. Os recursos artificiais, o belo slow motion na guerra de travesseiros, jump cuts, servem para potencializar a força anárquica das ações, o revide ao encarar a repressão das figuras de autoridade. Claro que a obra sofreu censura na época, sendo liberada apenas após a Segunda Guerra Mundial. Vigo resgatou no filme, com muito humor, as suas lembranças de infância, época em que a imaginação rege o universo de possibilidades escancaradas no futuro. E, em sua visão, o sistema educacional é falho, objetivando mais o encarceramento físico e ideológico dos alunos, inserindo crianças em um molde limitado, permitido na sociedade, que elimina qualquer impulso artístico como embrião revolucionário.

A pouca experiência do diretor, somada às dificuldades técnicas, incentivaram o rapaz a subverter as convenções narrativas, abandonando a linearidade, garantindo uma caligrafia única, com a criatividade atuando livre de qualquer amarra, um tratado libertário, representado pelo desfecho com as crianças correndo pelos telhados da instituição. 

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