terça-feira, 11 de abril de 2017

"Dogma", de Kevin Smith


Dogma (1999)
O mundo corre o risco de desaparecer. Tudo por causa de Bartleby (Ben Affleck) e Loki (Matt Damon), dois anjos expulsos do céu e que querem retornar a qualquer custo. Para tanto, eles têm um plano: Cruzar o portal de uma igreja em New Jersey para, absolvidos de seus pecados, poderem retornar ao paraíso. Só que tal ato provaria que Deus é falível e, como consequência, a realidade se desmancharia. Para evitar que a tragédia ocorra é montada uma equipe de combate aos anjos, formada pela última descendente de Jesus Cristo (Linda Fiorentino), um 13º apóstolo negro (Chris Rock), dois profetas (Jason Mewes e Kevin Smith) e uma Musa Inspiradora (Salma Hayek).

Eu lembro que tomei conhecimento do filme à época da estreia nas páginas da revista Sci-Fi News, o tema e a abordagem me fizeram vibrar por antecipação. Eu já gostava muito do trabalho do roteirista/diretor Kevin Smith, “O Balconista” e “Barrados no Shopping”, que gravei de exibições no Telecine, quando a televisão a cabo ainda era uma novidade lá em casa. Ele é o tipo de pessoa que consegue transformar qualquer assunto em algo hipnoticamente interessante, basta ver como ele domina a plateia até hoje em suas apresentações com um senso de humor muito afinado. O roteiro é brilhante, a cantora Alanis Morissette interpreta “Deus” como uma criadora com senso de humor, Chris Rock faz um apóstolo negro amargurado por não ter sido citado na Bíblia, Salma Hayek e Alan Rickman aproveitam cada segundo, cada linha espirituosa de texto, como figuras divinas nada convencionais. 

Para um adolescente questionador, ávido leitor de Carl Sagan, Isaac Asimov e outros mestres do gênero, nada poderia ser mais bem-vindo que uma divertida crítica à religião organizada. E “Dogma”, como já se poderia esperar, foi muito apedrejado pelos encabrestados religiosos, apesar de ser essencialmente uma celebração da fé. É como salienta o anjo supremo Metatron, vivido por Alan Rickman, os humanos só se importam em conhecer a matéria na superfície, eles são capazes de manter crenças sem qualquer conhecimento sobre o tema. Logo nas primeiras cenas, uma personagem afirma que se cansou de ir às missas e não sentir nada, o ritual é a perfeita antítese de tudo o que Jesus pregou, ele era o primeiro a dizer que a oração devia ser um ato solitário do indivíduo, ele odiaria saber que templos foram levantados em seu nome. Mas, nesse mundo moderno tão exótico, até mesmo feministas podem ser católicas, o estudo é algo cada vez mais menosprezado, adultos alfabetizados ainda enxergam alguma relevância divina na figura de um Papa, nada mais justo que Smith convocar o saudoso comediante George Carlin, ateu fervoroso, para viver um padre que busca uma imagem simbólica mais boa praça do Cristo, algo menos depressivo que o corpo crucificado usual para tentar renovar o interesse do povo pela igreja, o sorridente “Buddy Christ”, profetizando, de certa forma, a estratégia eficiente que colocou Jorge Mario Bergoglio como o atual Chefe de Estado do Vaticano, alguém que é capaz até de, numa ousadia tremenda para alguém acima de seis anos de idade, afirmar publicamente que Adão e Eva não são reais. E, o pior, a imprensa do mundo todo repercutiu essa atitude altamente polêmica. Alguns analisam que a civilização humana não está preparada para o encontro com alienígenas. Já eu, mais pessimista ao constatar esses fatos, creio que ela não está preparada sequer para decidir se vai comer pão com manteiga ou ovos mexidos no café da manhã.

Ao final da sessão, a proposta de reflexão é irresistível. A fé é preciosa, Jesus ensinou que o amor é a única verdade, mas as organizações religiosas foram criadas pela ganância humana, pelo gosto do homem por poder, possibilitando absurdos como os cometidos pelos pastores neopentecostais televisivos, a redução da mulher ao papel de causadora de todos os males históricos, a segregação de homossexuais, o cruel sentimento de culpa nos fiéis que se relacionam sexualmente antes do casamento, ou nos divorciados, a omissão criminosa nos atos de Hitler, os assassinatos cometidos pela Santa Inquisição, entre muitos outros. É preciso querer abrir os olhos. Será que a massa facilmente manipulada está preparada para isso?

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