segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Rebobinando o VHS - "Capitão América" (1990)


O próximo VHS que selecionei na estante embolorada do tempo é símbolo de uma época muito pouco generosa para os nerds. A escassez de produtos para esse público era tanta, que encontrar esse filme na locadora causava até um arrepio na espinha, uma emoção única que hoje se banalizou, com cinco filmes de super-heróis sendo lançados por semana. E, fora de nostalgia, ainda considero essa pérola de baixo orçamento, mesmo com seus problemas e liberdades com o material original, muito mais interessante e eficiente que o primeiro “Capitão América” dessa nova geração, um dos roteiros mais fracos da primeira fase da Marvel. Naquela época, a única imagem cinematográfica que tínhamos do herói patriótico era uma versão bizarra filmada em 1979, que passava no “Cinema em Casa” do SBT, com o personagem utilizando um escudo transparente, um capacete que parecia o do nosso “Capitão Aza” e uma motocicleta. Quando encontrei a capa dessa produção na prateleira da locadora, apenas em versão dublada, lembro que já estava locada, fiquei muito triste. Acabei conhecendo a trama lendo a adaptação oficial em quadrinhos, inserida em um dos números da revista mensal do herói pela Editora Abril. Algumas semanas depois, com dois videocassetes, sendo um emprestado, fita adesiva, além de uma trabalheira para entender como fazer o truque funcionar, eu fiz a cópia da fita, uma das minhas primeiras incursões infanto-juvenis no mundo da trambicagem cultural. Como eu era ingênuo e sistemático, fiquei bastante preocupado por alguns dias, achando que o FBI ia eventualmente bater na minha porta. Já estava até praticando técnicas de fuga assistindo “Papillon”.


Capitão América (Captain America – 1990)
Chego a sorrir lembrando que, na primeira vez que assisti, por volta dos nove anos, fiquei emocionado nos créditos finais, ao som da melancólica “Home of the Brave”, cantada por Ivan Neville. E, assustado, percebo que, ainda hoje, aquele desfecho, com a narração que fala sobre o presidente, vivido por Ronny Cox, agradecer o herói que, em sua infância, fez com que ele acreditasse no poder do sonho, ainda me dá um nó na garganta. Um toque simples de sentimentalismo que compensava a pobreza da produção, enquanto os altos orçamentos hoje no subgênero carecem de emoção genuína, com cada página no roteiro extremamente calculada. A própria opção de exibir pouco o uniforme do herói, gera uma expectativa saudável, ainda mais quando se é criança. Essa produção de Menahem Golan, dirigida por Albert Pyun, modifica elementos básicos, como fazer do vilão nazista Caveira Vermelha, vivido por Scott Paulin, um italiano que recebe ordens de Mussolini. Mas acho válido o senso de humor, simbolizado na cena em que o Capitão América estreia seu uniforme, debochando com seu superior sobre a preocupação que eles tiveram com sua camuflagem. Por mais refinada que seja a nova versão, não dá pra levar a sério, ainda mais em um contexto sociopolítico real, um soldado vestido com as cores da bandeira de sua nação, que utiliza um escudo como bumerangue.

O problema foi que a produção necessitava do lucro que seria obtido em outros filmes, para custear a correta finalização das filmagens que constavam no cronograma, mas Golan acabou tendo que fechar a cortina antes do espetáculo acabar. Parte de elenco chegou a entrar em contato com o criador do herói: Stan Lee, para ver se ele conseguia interceder pela produção, para que o resultado saísse, com sorte, de uma forma digna. A primeira meia-hora é bem eficiente, mas o segundo ato, que envolve o retorno do herói após ser descongelado no futuro, se perde em resoluções típicas de filmes para televisão, conduzindo para um terceiro ato que parece ter sido idealizado às pressas, ainda que o cenário do castelo italiano seja imponente, mas terrivelmente subutilizado. O maior erro do filme foi a escalação do protagonista: Matt Salinger, filho do escritor J.D. Salinger, de “O Apanhador no Campo de Centeio”, sem carisma algum e aparentando estar totalmente desconfortável vestindo o traje colorido, ainda que tenha afirmado em entrevistas sua empolgação com o papel, já que era fã do personagem desde a infância. É curioso ver Ronny Cox e Ned Beatty, que trabalharam juntos no clássico “Amargo Pesadelo”, reunidos no projeto, mesmo sabendo que seus agentes deviam ter sido demitidos na época. 

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